O colecionismo vive uma nova fase. Agora já não basta ter um acervo importante com obras invejáveis; o colecionador milionário do século 21 quer mais: sonha com seu próprio museu.
Vaidade, megalomania ou projeto social? No elenco de latino-americanos endinheirados, fanáticos por feiras, leilões e bienais de arte, alguns já conseguiram concretizar seus desejos. Eduardo Costantini é um deles. Empresário e colecionador argentino, inaugurou em 2001 sua musa maior, o Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (Malba), seu projeto mais arrojado, em pleno bairro de Palermo, em Buenos Aires. Costantini não nasceu rico. Na juventude vendia cachecóis pela Avenida Santa Fé, pilotando um Citröen de segunda mão. Classe média, filho de advogado, cursou economia em Buenos Aires, foi para a Inglaterra para se especializar e enriqueceu por suas escolhas e pela sua visão de negócios. Esse colecionador de obras-primas de mestres latino-americanos se insere no fechado “clube” de proprietários de museus da região, como o mexicano Carlos Slim, do Museo Soumaya, o brasileiro Bernardo Paz, do Instituto Inhotim, em Minas Gerais, e a venezuelana Patricia Phelps de Cisneros, da Fundación Cisneros de Caracas. Durante a arteBA 2011, ele falou com exclusividade para ARTE!Brasileiros.
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Com atitude de vencedor low profile, ele se diz orgulhoso da coleção do Malba, formada a partir de obras antológicas do século 20, desde o surrealismo do chileno Roberto Matta, passando pelo cubismo de Emilio Pettoruti e pela visão social de Antonio Berni, ambos argentinos, chegando ao construtivismo de Torres García, ícone uruguaio, bem como à pintura antropofágica da brasileira Tarsila do Amaral e à transgressão da mexicana Frida Kahlo.
Olho, faro, sorte ou boa assessoria? Um pouco de tudo. “Comecei muito jovem, com 22, 23 anos. Não tinha posse, mas era bastante curioso. Um dia, ao visitar uma galeria em Buenos Aires, me apaixonei por um Antonio Berni, mas como o dinheiro era pouco, comprei dois trabalhos em papel – um de Konstantin Vasiliev e o outro de Leopoldo Presas, pagos à prestação.” Muitos colecionadores começam assim, como ele, impulsionados pelo gosto, e com o tempo aprendem a comprar. “Depois disso adquiri muita bobagem, não sabia nada de arte até que, mais estabelecido, passei a ter assessoria de conhecedores de arte como Ricardo Esteves e, depois, Marcelo Pacheco, que convidei para dirigir o Malba e que me assessora até hoje”.
Como chegou à arte latino-americana contemporânea, ao contrário de outros colecionadores que focam especialmente os europeus? “Minha escolha foi estratégica sobre que tipo de arte iria colecionar. Me identificava com os artistas argentinos, com os rio-platenses e com os latino-americanos. Assim, comprei as melhores peças dos melhores artistas da região”.
Esse capricho todo tinha uma razão. Desde sempre Costantini pensava em um projeto público. “Eu sabia que estava construindo algo que não poderia ficar fechado em minha casa. Essa coleção estava predestinada a ser parte de um museu.” A coleção de Costantini tomou corpo, coerência e leitura em meados dos anos 1980, quando passou a comprar com estratégia corporativa. “Muitas vezes adquiria obras que não eram inteiramente de meu agrado, mas sabia que eram importantes para o museu. Todo o acervo do Malba, que é uma instituição privada, foi armado a partir da minha coleção particular. Hoje não tenho praticamente nada em minha casa”, garante ele.
Casado com a brasileira Clarice Oliveira Tavares, Costantini já passou por outros dois casamentos, mas parece que sua musa chama-se mesmo Malba, a paixão que sintetiza sua garra e que o colocou no Olimpo dos apreciadores de arte dentro alta sociedade portenha. Costantini somou à sua personalidade tranquila e aparentemente indiferente, o hábito de manter-se intransponível, colocando o interlocutor sempre a uma razoável distância.
No início, a coleção contava com 285 peças e hoje são 850, mais que o dobro. Ele continua comprando e reclama dos preços praticados no Brasil. O jovem artista brasileiro está cinco vezes mais caro, está mais difícil comprar. Quando, em 1995, Cnstantini arrematou por U$1,43 milhão o quadro Abaporu, de Tarsila do Amaral, num leilão em Nova York, o Brasil vivia outra época. A famosa tela pintada em 1928 – na fase antropofágica da produção de Tarsila e que inspirou o Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade – foi exibida, neste ano, no Palácio do Planalto, em Brasília, como integrante da mostra Mulheres, Artistas e Brasileiras. Abaporu impactou a presidente brasileira Dilma Rousseff, que quer repatriá-lo. Já colocou assessores para negociar. Mas isso é uma outra história!
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