Maldicidade. O neologismo adotado por Miguel Rio Branco para nomear seu mais recente livro soa sintético e premonitório. Ao fundir as duas primeiras sílabas de “maldição” com a palavra “cidade”, o fotógrafo resume e antecipa o que está por vir nas 400 páginas deste grandioso trabalho, publicado pela editora Cosac Naify.
Captadas entre 1970 e 2010, no Brasil, Peru, em Cuba, nos Estados Unidos e no Japão, as cerca de 200 imagens do livro revelam as contradições do suposto desenvolvimento de grandes urbes orientadas pelo salve-se quem puder do capitalismo predatório. A cada virar de página, retratos de exclusão afrontam o olhar como feridas abertas, perdidas em meio à paisagem desolada de arquiteturas degeneradas e de carros abandonados. Um universo moribundo, que desnuda a indiferença dos incluídos ao cotidiano assombroso de mendigos, prostitutas, bêbados, trabalhadores ordinários e cães sem dono. Figuras à margem que sempre povoaram o imaginário estético de Miguel Rio Branco.
Maldicidade, que sucede o provocador Você Está Feliz? (Cosac Naify, 2012), compila registros majoritariamente inéditos. Quarenta dessas fotografias foram reunidas, em 2010, na mostra Maldicidade – Marco Zero, que celebrou os 40 anos do Museu da Imagem e do Som de São Paulo. Como na exposição do MIS, Miguel optou por não atribuir às imagens compiladas no livro dados usuais, como título, ano de produção e localidade do registro. Algo que converge com sua postura de, ao dispensar informações que possam induzir interpretações, provocar subjetividades individuais.
Em 2011, a reportagem de ARTE!Brasileiros esteve no ateliê do artista em Araras, bucólica cidade da região serrana do Rio de Janeiro. Um depoimento em especial, feito por ele naquela ocasião, sintetiza o desejo de Miguel de também não se pretender classificável. “Sou marginal na essência. Ser uma pessoa que trabalha com fotografia, pintura, desenho e cinema é também uma marginalidade em relação ao próprio sistema, que o tempo todo tenta definir você como uma coisa só.” Aos 68 anos, com o perdão do rótulo, ele mantém o ímpeto de ser um artista fundamental.
Deixe um comentário