Quando a exposição Potlatch – Trocas de Arte foi aberta para o público, no dia 5 deste mês de julho, nenhum quadro, escultura ou objeto estava exposto na sala destinada à mostra no Sesc Belenzinho. O espaço estava vazio, apenas com as estantes que iriam abrigar as obras e com uma mesa onde curadores e futuros expositores conversariam sobre os trabalhos. Se uma mostra de arte normalmente parte da escolha de obras e da montagem, e somente depois recebe o público, a premissa de Potlatch foi outra, como explica o curador Paulo Miyada: “A hipótese é que valeria experimentar tentar o contrário, ou seja, fazer projetos de arte contemporânea que partissem do lugar e do público”. Valeria, explica o curador, valorizar mais os processos, as trocas, o diálogo e a sociabilidade do que o resultado final da mostra. “Dar tanta importância somente ao objeto, ao que está pronto, tem a ver com o mundo em que a gente vive, que dá valor às coisas quantificáveis, guardáveis e vendíveis. Mas acho que na arte os processos deveriam ser mais importantes, mais determinantes. E este projeto tenta assumir isso com uma certa radicalidade”, completa.
Explica-se: o funcionamento da exposição é bastante peculiar, e não coloca na mão dos curadores o poder de escolha das obras. Durante quatro semanas, a cada dia (entre quinta e domingo) um curador está presente na sala expositiva para conversar e receber das pessoas – inscritas em chamada aberta do Sesc – os objetos que passam a compor a mostra. Estes expositores podem ser artistas ou não, e as obras entregues nunca são recusadas pelos curadores. “São objetos, trazidos por pessoas que determinam as razões para suas escolhas. Elas têm relações diferentes com o que estão trazendo: às vezes consideram que é uma obra de arte, às vezes não”, conta o cocurador Yudi Rafael. Quando a ARTE!Brasileiros visitou a mostra, após a primeira semana de entregas, desenhos, bordados, esculturas, um texto e uma carta, entre outros, já estavam expostos. Perguntado se Potlatch é ou não uma mostra de arte, Miyada prefere não classificar: “É uma exposição, e tem todos os dispositivos herdados da arte contemporânea, apesar do conceito vir da antropologia. Agora, o quanto as coisas são arte, acho que isso está em aberto, mesmo quando a gente entra numa exposição que jura que é de arte contemporânea”.
A ideia é que a exposição seja um espaço dinâmico, de troca – não só de objetos, mas de experiências e significados –, tendo como inspiração o conceito de potlatch, desenvolvido inicialmente pelo antropólogo Marcel Mauss (1872-1950) e depois por outros teóricos como Georges Bataille (1897-1962). Potlatch se refere a um sistema de trocas (ou de “prestações”, segundo Mauss) observado pelo antropólogo francês entre povos da Polinésia e de outros cantos do mundo, com especificidades de acordo com o lugar. Um tipo de troca que, praticado fora do sistema monetário, é baseado nas obrigações de dar e receber e na reciprocidade. “É uma lógica que talvez esteja presente no contexto da arte, do artista que oferece algo para o mundo que não lhe é pedido, que trabalha em cima de uma coisa sem saber como isso vai ser recebido”, diz Rafael sobre um tipo de interpretação do conceito feito por Bataille. “Ele pensou o potlatch um pouco como o oposto do capitalismo mercantil, financeiro e acumulador. E ele viu na arte algo que era herdeiro do potlatch”, completa Miyada.
Nesse sentido, o que interessa na mostra é a sociabilidade criada, a dinâmica estabelecida entre expositores, curadores e público. À “dádiva” oferecida por aqueles que entregam suas obras, os curadores retribuem com as conversas sobre os trabalhos e com a criação do contexto expositivo. O público presente interage não só com a exposição, mas também com os mediadores presentes, além de poder acompanhar os momentos de entrega que ocorrem na própria sala expositiva. Nesta dinâmica, Potlatch situa a curadoria em um lugar diferente do usual: “Se acho a obra boa ou ruim, não importa, não é sobre isso”, diz Rafael. “O desafio do curador não é escolher, mas estar de fato presente na conversa e retribuir à altura do que é trazido. Importa a qualidade da devolução, de discutir a partir das questões que são trazidas, de apontar relações possíveis”.
Assim como nos rituais dos povos da Polinésia, as obras da exposição não são devolvidas àqueles que doaram, nem mesmo ao final da mostra. “A gente assume o compromisso de não vender, mas é importante para o projeto a ideia de que o artista esteja dando alguma coisa, sacrificando algo, para que não seja simplesmente uma espécie de salão aberto”, explica Miyda, idealizador do projeto maior no qual Potlatch está inserido, intitulado ESTOU CÁ. Dentro dele, serão realizadas até março outras exposições, além de oficinas e encontros, sempre tendo o lugar e público como “espécies de valores primeiros a partir dos quais as outras coisas vão reagir e discutir”. A escolha do Sesc Belenzinho não é à toa, como explica Rafael: “Tem a ver com não ser um espaço especializado, onde o público vai só para ver arte. É um espaço comunitário, com um público amplo e diversificado. Assim, o projeto cria uma relação com a região, com o bairro, com a área. Uma relação com a cidade”.
Quem visitar a mostra nos próximos dias verá uma exposição diferente daquela vista pela reportagem na última semana, e diversa também daquela que estará montada ao final do processo. No dia 6 de agosto, um dia antes do encerramento, os quatro curadores – Miyada, Rafael, Carolina de Angelis e Juliana Biscalquin – participam de um bate-papo aberto ao público, com título que, assim como Potlatch, questiona alguns dos paradigmas estabelecidos no mundo da arte: “Para que serve uma exposição de arte?”.
Serviço – Potlatch – Trocas de Arte
Até 7 de agosto
Sesc Belenzinho – Rua Padre Adelino, 1.000
sescsp.org.br
Entrada gratuita
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