Das trevas à luz da palavra

Encantada e inspirada pela leitura de A Cena da Origem, a tradução da Gênese pelo poeta concreto Haroldo de Campos, a artista plástica Edith Derdyk compôs a instalação Arcada que será aberta ao público no próximo dia 22 na Funarte em São Paulo. A mostra busca apontar a relação entre a origem do verbo e o aparecimento da luz, questão expressa desde os primeiros versos bíblicos escritos em aramaico/hebrew arcaico e presente nos mitos da criação de distintas tradições religiosas.

“O projeto nasceu a partir da minha leitura sobre os métodos de tradução de uma língua originária. É a tradução da Gênese, mas o trabalho não tem nada a ver com a bíblia e sim com a instauração da palavra em estado de poesia. Baseada na descrição do poeta Haroldo de Campos da linguagem semítica, da palavra quando nasce como instância poética, eu vi similaridades com o meu trabalho. E a partir daí eu criei a primeira exposição chamada Dia 1, em 2010, na Galeria Virgílio. E agora o meu trabalho está se centrando no segundo dia da criação que tem a ver com a origem da palavra, da luz e da escuridão”, conta Edith.

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Representando a luz proveniente da palavra e as trevas de onde ela surge, a instalação é composta por centenas de fios pretos que ligam uma placa presa ao teto a outra que pende sobre um vão de 30 centímetros por onde escapa a luz. A obra cria a impressão de que o cubo negro que é composto pelos fios é suspenso pela luz ou a oprime, segundo a leitura que se queira fazer.

“A pessoa quando entrar no espaço vai ter uma fresta de luz embaixo com uma massa escura por cima. Você não sabe quem está segurando quem. O meu trabalho sempre acaba falando dessa inversão; do leve e do pesado, do equilíbrio e do desequilíbrio, da simplicidade e da complexidade. O trabalho quando pronto terá uma simplicidade porque é um volume preto suspenso no ar com uma luz no chão. Toda essa complexidade da construção, toda essa matemática da matéria, a força da linha… Essa construção para criar o efeito poético é o que me interessa”, diz.

Percebendo a complexidade do projeto, Edith buscou se aprofundar na pesquisa sobre a origem da palavra em seu estado poético e suas intersecções entre escrita e desenho, entre linguagem verbal e visual. Com o apoio do Centro de Cultura Judaica (CCJ), a artista plástica esteve em Jerusalém aonde realizou estudos sobre o tema.

“Depois que eu fiz a primeira exposição, eu fiz uma mesa de discussão sobre esse assunto e convidei o Jacopo Crivelli, que é o curador desta exposição, a Noemi Jaffe, que é uma pessoa ligada à literatura, e a Georgia Kyriakakis, que é minha amiga e foi minha companheira de atelier por muitos anos. Então eu tinha o crítico, a linguista e poeta e a artista plástica discutindo o tema e nos demos conta de que era muito extenso. Então decidi viajar para Jerusalém, ganhei uma bolsa do Centro de Cultura Judaica e passei seis semanas, sendo quatro delas em um monastério maronita dentro da cidade velha onde eu fui pesquisar a palavra. A palavra prometida, a reza, a repetição, a palavra no corpo, a palavra escrita, a palavra originária em todas as religiões monoteístas. Lá eu descobri que a linguagem semítica, a linguagem arcaica, é totalmente poética, mítica e não tem nada a ver com o discurso teológico fechado de hoje. A linguagem de hoje é fechada é dogmática e não deixa muito espaço para interpretação”, diz ela.

Para completar essa experiência, no Brasil, participou de uma residência na Biblioteca do CCJ e dessa experiência nasceu a série Tábula, que faz parte da mostra. Tábula é composta pela primeira página da Gênesis de diversas bíblias em diferentes idiomas e edições que, sobrepostas, constroem um texto ilegível de onde por vezes escapam algumas palavras que se deixam ler. “De repente uma palavra aparece como uma fresta de luz, tal como a luz da instalação. Então acabei criando dois paralelos da construção da escuridão e o que sobra é a luz”, diz a artista.

Arcada- Edith Derdyk
Quando: de 22 de fevereiro a 02 de abril de 2013
Onde: Funarte – Alameda Nothmann, 1058 – Campos Elísios São Paulo
Quanto: entrada gratuita


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