Encontros e desencontros

Juntos há mais de dez anos, os artistas Stela Barbieri e Fernando Vilela dividem o mesmo ateliê. Lugar de troca e experimentação, o espaço muda constantemente, de acordo com as necessidades e vontades do casal. Em uma dessas alterações, os dois olharam para as suas obras lado a lado e perceberam que ambos produziam paisagens. Foi a partir desse momento que surgiu a concepção de Paisagens Gráficas, mostra em cartaz no Espaço Cultural Porto Seguro, em São Paulo. A exposição apresenta a produção de ambos, revelando ora momentos de afinidade e diálogo, ora de disparidade e contraponto.

Com curadoria de Guilherme Wisnik e Cauê Alves, a mostra traz trabalhos gráficos e bidimensionais dos artistas, que refletem sobre a relação entre o homem e o espaço. Em entrevista à ARTE!Brasileiros, Barbieri enfatiza as discussões que permeiam a mostra: “Quando falamos de paisagem, não se trata de um conceito cristalizado. A relação que cada um de nós estabelece com o espaço é muito particular”. Para Vilela, “a paisagem é sempre uma escolha. No meu caso, opto por aquilo que me chama atenção na cidade. Já a Stela cria uma paisagem que está em movimento. São obras que se transformam constantemente”.

O trabalho de Vilela faz muitas referências às metrópoles. São obras que remetem a um universo misterioso e solitário dos grandes centros urbanos. Segundo Wisnik, “o Fernando trabalha com a cidade real e explora isso a partir de diversas técnicas e meios como a fotografia, a xilogravura e a pintura. São camadas que se sobrepõem revelando certa recusa que a metrópole tem em se deixar atravessar pelo olhar”. Em sua obra, o artista revela detalhes que passam despercebidos no cotidiano, como os fios elétricos ou o vão entre dois prédios. “A busca que tenho na cidade é de encontrar algo que não é totalmente dominado pelo olhar. Tento criar sempre uma situação que o público pode completar com a imaginação. O intuito é provocar perguntas, mais do que encontrar respostas”, conta o artista.

Já a produção de Barbieri apresenta um olhar voltado para o cotidiano. Dentre pinturas, colagens e desenhos prevalece um tom intimista que beira o lúdico, como aponta Wisnik: “As obras de Stela remetem a um universo doméstico, sendo comum a presença de objetos de uso cotidiano como baldes e cadeiras. Há uma intimidade nas paisagens e também a ideia de alquimia. São materiais que trocam e vão mudando, num fluxo contínuo”. A própria artista brinca que é “uma mulher do cotidiano”, tendo interesse pelos lugares que provém da sua imaginação e não necessariamente da realidade. “Tenho um encanto pelo movimento, a vida que as coisas podem gerar, imaginando como as pessoas podem habitar os espaços”, afirma.

Para falar sobre as diferenças entre os dois, Barbieri cita o conto Olho Torto do Alexandre, do escritor alagoano Graciliano Ramos. Na narrativa, o protagonista acaba perdendo o olho esquerdo enquanto caçava uma onça. Depois de certo tempo, ele encontra o olho cravado em uma moita de espinhos. Ele o coloca novamente na cavidade ocular. No entanto, algo estranho acontece: um dos olhos do homem começa a mirar para dentro e outro para fora, ele vê tudo pela metade. Para a artista, a história se relaciona com a do casal, já que “o Fernando e eu temos jeitos diferentes de olhar para dentro e fora de si. Eu me preocupo mais com a imaginação e ele com a cidade. Acredito que aí há uma relação interessante, já que os dois se apropriam do espaço de formas distintas”.

Em suas produções, eles também utilizam diferentes materiais. Vilela opta por linguagens mais gráficas como gravura e fotografia, nas quais há um maior controle sobre o processo. Barbieri já gosta de materiais fluidos como tinta líquida e aquarela. Porém, há nessa união de diversos formatos algo em comum, como aponta Wisnik: “O próprio fato de eles usarem muitas técnicas revela que ambos têm a experimentação como uma inquietude. Trata-se da busca de uma linguagem que atravesse as técnicas”, comenta. Entre encontros e desencontros, a exposição cria uma narrativa na qual o conceito de paisagem se expande em múltiplas direções.

Serviço – Paisagens gráficas – Stela Barbieri e Fernando Vilela
Até 4 de dezembro
Espaço Cultural Porto Seguro
Alameda Barão de Piracicaba, 610, Campos Elíseos, São Paulo
11 3226-7361


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