Na Estrada Nova, um pedaço da Floresta Amazônica encontra a periferia de Belém (PA). Luiz Braga extrai desse contraste o que considera a essência da visualidade cabocla: suas imagens revelam detalhes do cotidiano, como o garoto que vende amendoim, o colorido das palafitas de madeira e as águas barrentas do rio Guamá.
Há três décadas, o fotógrafo vem registrando o local, fonte recorrente de inspiração na sua obra. “A Estrada Nova fazia parte do meu caminho para o curso de arquitetura”, lembra. “Me encantou por ser um lugar distante, caótico e vibrante, que até hoje considero o meu território de brincar.”
Mais uma vez, o endereço serve de mote ao artista para compor a exposição O Percurso do Olhar, formada por 50 obras. A mostra, que abrange o período de 1982 a 2010, é a primeira retrospectiva da carreira de Luiz Braga na capital paraense, local onde nasceu e vive até hoje.
Parte integrante do acervo, em exposição, do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas, acima fotografado por Luiz Braga, é a realização de um antigo desejo do fotógrafo: o de ter uma coleção permanente em sua terra natal.
Somente 13 obras da série Verde-Noite – 11 Raios na Estrada Nova, Fotografia, Nigthvision – criada em 2010, receberam financiamento público pelo Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça, da Funarte, voltado à criação de trabalhos inéditos para a composição de acervos de museus brasileiros. As demais 33 fotografias que compõem a retrospectiva saíram do próprio bolso do artista. Apenas quatro obras já faziam parte do acervo da Casa das Onze Janelas.
“Eu sentia um vazio tremendo por não ter quase nenhuma obra exposta na minha terra. Quando as pessoas perguntavam onde poderiam ver meu trabalho, eu tinha de levá-las ao meu estúdio. Tentei oferecer minhas obras a preço de custo para a Secretaria de Cultura do Estado. Mas chegou um ponto em que cansei de esperar e agi por conta própria”, desabafa.
Com a doação, o bicentenário casarão colonial onde funciona o museu, que no passado abrigou um hospital militar, sede da Guarda e depósito de materiais do Exército, agora é fiel destinatário da única coleção de fotografias do artista na região Norte.
Finalmente, Belém vai poder se equiparar a outros acervos e coleções públicas de trabalhos emblemáticos da trajetória do artista, como o Museu de Arte Contemporânea – MAC-USP; o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; a Fundação Cultural de Curitiba; o Museu de Arte da Pampulha (MG); a Coleção Pirelli-MASP de Fotografia; a Coleção Porto Seguro de Fotografia; o Centre Culturel Les Chiroux, na Bélgica; o Centro Português de Fotografia, em Portugal; e o Miami Art Museum.
Mas o que deveria ser um dos momentos de sagração de sua carreira vem maculado com uma ponta de decepção. Muito mais valorizado fora do que no Pará, Luiz Braga passa por um desterro forçado. Essa é a primeira mostra do autor em Belém desde Arraial da Luz, de 2005. “Infelizmente, hoje vejo Belém de passagem. Passo mais tempo fora por causa do trabalho, mas vivo aqui por uma questão de resistência. É um processo de vida sobreviver em meio a esse tecido violento e indiferente que se tornou a cidade”, explica o fotógrafo.
Essa nova visão de Belém fere os olhos do autor. Ao longo de seus 36 anos, ele desenvolveu uma fotografia de amor à cidade, que contém em seu âmago a relação do homem amazônico com o ambiente a sua volta – um universo estético e cultural tão frágil que ele começa a se desintegrar também em sua obra.
Em sua recente experimentação com a tecnologia do nightvision, a visão noturna criada originalmente para a guerra, o autor cria uma alegoria fantasmagórica em tons de verde fosco, formando um contraponto entre a crueza da imagem e a teatralidade barroca do dia a dia na Estrada Nova. “A série Nightvision representa o fim de um período romântico em Belém. O clima das fotos representa isso: algo frio, impessoal e superficial. Eu não sinto mais a proximidade, a cumplicidade das minhas primeiras visitas. Essa exposição não é uma mera retrospectiva, ela captura a quebra da espinha dorsal de Belém”, finaliza.
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