Realizada em abril último, em São Paulo, a mais recente edição da SP-Arte confirmou a sucessão de números positivos percebida na primeira década de existência desta que é a principal feira internacional de arte contemporânea do País.
A edição 2014 reuniu o número recorde de 136 galerias, 40% delas vindas do exterior. Trajetória ascendente também evidenciada em relação ao público. Do primeiro evento, realizado em 2005, para o de 2014, quadruplicou o número de visitantes, hoje acima de 20 mil espectadores.
O crescimento sólido e gradativo possibilitou a Fernanda Feitosa, idealizadora e diretora da feira, alçar novos voos. Em 2007, foi criada a SP-Arte/Foto e, agora, o empreendimento se desloca, entre os dias 5 e 8 de junho, para o centro-oeste do País com a primeira edição da SP-Arte Brasília.
A feira conta com a participação de 33 galerias brasileiras, provenientes de cinco Estados – Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Distrito Federal.
Além de expandir os propósitos comerciais da SP-Arte, a estratégia de ramificação no Centro-Oeste tem como objetivo o fortalecimento da cena local de arte contemporânea. É o que revela Fernanda Feitosa na entrevista a seguir.
ARTE!Brasileiros –Qual a importância estratégica de levar a SP-Arte para a capital do País?Fernanda Feitosa –Pretendemos contribuir para deslocar esse eixo tão concentrado no Sul e no Sudeste, e criar novas possibilidades, a partir do Centro-Oeste. Algo que poderá ser também um ponto de ressonância para a produção e o mercado do Norte e do Nordeste do País.
A escolha de Brasília também teve a ver com a tradição de modernidade que vem desde a fundação da cidade?
Sim, a escolha também foi impulsionada por esse e outros motivos. A capital do Brasil não pode ser tão somente a capital política. Brasília é a cidade onde há o maior PIB per capita do País. Naturalmente, o mercado de arte precisa também se desenvolver ao redor desse centro. Brasília surgiu com a ideia de ser a cidade das artes e seu nascimento está muito vinculado à arte moderna e à arquitetura. Um ciclo que foi interrompido, pois a cidade se instalou como centro do poder político, mas a cultura acabou não acompanhando o mesmo curso. Lógico, hoje há exceções, como o CCBB Brasília, que tem feito um trabalho excepcional na cidade. Antes mesmo de vir para São Paulo, por exemplo, acabou de passar por lá a exposição Obsessão Infinita, da Yayoi Kusama. Brasília tem hoje um programa de boas exposições, de frequência regular, e acho que podemos contribuir.
A ida da SP-Arte para Brasília também deve afetar a produção local?
Como nunca houve muitas galerias de arte na cidade, a cena contemporânea de Brasília ficou dispersa. Lógico, existem galerias trabalhando na cidade, fazendo bom trabalho há muitos anos, e algumas delas estarão na SP-Arte Brasília, como A Casa da Luz Vermelha, do fotógrafo Kazuo Okubo, um grande incentivador da cena local de fotografia. Teremos também a participação da Referência Galeria de Arte, de Onice Moraes, que trabalha há muitos anos na capital. Karla Osório, do Espaço Cultural Contemporâneo – ECCO também estará na SP-Arte Brasília. Com esse número inferior de galerias, a cidade ficou um pouco isolada, mas é perceptível a movimentação de novos artistas e de centros independentes de produção. Aquela cena periférica, que faz parte de todo e qualquer circuito de artes, também está se formando em Brasília e nossa presença vai ajudar a validar o trabalho desenvolvido por galerias e artistas locais.
Essa primeira edição é composta apenas de galerias nacionais. Futuramente, você pretende trazer também galerias internacionais?
É bem possível que tenhamos galerias internacionais, mas tudo virá em um processo lento e gradual. A presença maciça de galerias brasileiras, nessa primeira edição, foi uma escolha natural, afinal, elas são um atrativo muito maior para as diversas embaixadas que há na Capital Federal. A SP-Arte Brasília dará aos diplomatas de outros países a oportunidade de conhecer e apreciar a nossa arte, com um conjunto de obras que representa nossa produção moderna e contemporânea.
Nessa primeira década da SP-Arte, você teve uma visão muito privilegiada das transformações do mercado de arte no País. Que diagnóstico faz do período?
A última década foi especial para o Brasil, como um todo, e a SP-Arte também se beneficiou desse crescimento e desse momento de percepção exterior de que o País é muito mais do que samba e futebol. As galerias passaram e estão passando ainda por um processo, definitivo e sem volta, de internacionalização. O mercado cresceu, se profissionalizou e encontrou no governo um bom parceiro. Especialmente, com o apoio do Ministério das Relações Exteriores, e da Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), a arte brasileira, tem encontrado um espaço cada vez maior na agenda internacional. A leitura que faço disso é que a Apex-Brasil entendeu a arte brasileira como um “produto de exportação”, de valor agregado – algo denominado, agora, de soft-power, a economia criativa. Outro aspecto positivo desse crescimento é que passamos a ter revistas dedicadas à arte contemporânea. A ARTE!Brasileiros, por exemplo, não existia há dez anos e é um exemplo claro dessa consolidação. Temos outras revistas que não existiam, como a Select e a Dasartes. Além delas, publicações como Wish, Casa, Bamboo, Bazaar e Vogue, passaram a incorporar, nos últimos cinco anos, uma editoria de artes visuais.
E quais barreiras precisam ser transpostas para um crescimento ainda mais sólido?
Precisamos de políticas culturais coesas e com maior continuidade. É preciso diminuir impostos e ter trâmites alfandegários mais transparentes e estáveis. O galerista e o colecionador não podem estar sujeitos a regras variáveis e taxas fiscais tão elevadas. O que passa na cabeça de alguém que tributa arte e cultura em 40%? O motivo é mais simples do que podemos imaginar. A questão é que a legislação que media essas negociações é muito antiga. Tem quase 50 anos e vem de uma época em que havia tarifas mais altas, em função da necessidade de proteger a indústria local. Naquela época ninguém comprava arte no exterior. Criar um tratamento específico para a arte não era uma questão relevante. Mas a mesma regra vale até hoje para eletrodomésticos, carros, computadores e obras de arte. Nesses quase 50 anos, a circulação de bens culturais no País evoluiu muito. Essa tributação e esse tratamento alfandegário não fazem mais parte da realidade contemporânea. Vale lembrar também que a arte não é algo que ofereça similares estrangeiros ao “produto” nacional. Portanto, essa suposta reserva de mercado não serve a propósito algum, exceto, ao de isolar o País. Outra questão urgente é a necessidade de fortalecer os museus brasileiros. É fundamental que eles tenham orçamentos maiores para criação de espaços expositivos que atendam as exigências internacionais e a compra de obras. Afinal, museus vivem de acervo. Se ele é defasado e não tem obras de qualidade, naturalmente, perde público. E, lógico, para formar público também temos de preparar os professores para que a arte seja cada vez mais presente nos currículos escolares. É de pequeno que ensinamos o ser humano a apreciar a arte. E ela é uma das formas mais eficazes para estimular o pensamento e a reflexão das pessoas.
Nesses dez anos de SP-Arte houve também uma evolução do colecionismo no País…
Sim, aumentou consideravelmente o volume de colecionadores. Assim como cresceu também o número de pessoas que acompanha a arte de forma sistemática. Algo perceptível, por exemplo, nas atividades do Núcleo Contemporâneo do MAM-SP, ou no programa de patronato da Pinacoteca do Estado. Os galeristas também têm se surpreendido ao encontrar uma quantidade cada vez maior de colecionadores jovens. Na Europa, a idade média dos colecionadores é mais elevada. O brasileiro mais jovem, que dispõe de certos recursos financeiros, tem se voltado mais para o mercado de arte. Como a maioria desses jovens colecionadores viajaram mais para o exterior, eles têm também interesse em arte internacional. Diferentemente dos colecionadores de gerações anteriores, que concentravam suas aquisições essencialmente na arte brasileira. Hoje, há também colecionadores brasileiros que estão presentes nos conselhos de grandes museus, como o Reina Sofía, o Georges Pompidou, o Tate e o Guggenheim. Este é um País com grande potencial, com 200 milhões de habitantes. Lógico, desse total, uma parcela mínima é de milionários, mas o colecionismo não é feito só de milionários. Particularmente, não gosto dessa visão de que você precisa ser rico para colecionar. Claro, é necessário ter muito dinheiro para comprar obras de milhões de reais, mas não para comprar arte contemporânea e fazer parte desse processo. Os mais jovens têm, clara, essa visão de que colecionar arte é também participar da vida contemporânea. Você pode conhecer um artista jovem e comprar dele obras que custem a partir de 2 mil reais. Colecionar é buscar sempre. E acreditar em novos talentos será sempre um gesto de provocação.
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