O conceito de propriedade já foi discutido por autores clássicos como Jean-Jacques Rousseau, Karl Marx e Henry David Thoreau. Ainda hoje gera debates polêmicos, desde os movimentos de ocupação até a tributação das heranças e o controle do próprio corpo. Atento a essas discussões, o historiador da arte Marcelo Campos organizou a exposição Espólios, em cartaz na Casa França-Brasil, no Rio de Janeiro.
A mostra reúne trabalhos de oito artistas que apresentam esculturas, fotografias e bordados. O objetivo é discutir os múltiplos sentidos da palavra que nomeia a exposição: “Por um lado, o espólio é a condição da propriedade, do que você possui. O segundo sentido, que é o mais comum, é o de herança. E o terceiro é o do que podemos deixar, dentro da concepção do objeto de arte, para o público, o que se oferece como tradição”, explica o curador.
Um dos trabalhos da mostra é a série de fotos de Thales Leite. O artista carioca registrou leilões nos quais os parentes vendem os bens de um ente falecido. São cadeiras, obras de arte, colares e mesas amontoados em um ambiente caótico. Esses objetos, antes confortáveis em um armário ou estante, perdem, subitamente, seu lugar e seu sentido.
O curador comenta que o trabalho de Leite faz com que questionemos “o sentido de propriedade e do próprio valor”. “O que vale nessa coleção? Os pratos, os talheres, as obras de arte, nesse momento tudo se iguala. O que dá uma impressão quase que melancólica sobre a acumulação do nosso dia a dia.”
Já a carioca Brígida Baltar apresenta uma série de bordados que tratam do próprio corpo, a “nossa primeira propriedade”, como afirma o curador. São autorretratos que mostram as modificações no corpo da artista, após a realização de um transplante de medula. Em uma espécie de diário da cura, Baltar investiga a relação entre corpo e identidade, algo que começou a questionar após a doença.
Tratando de uma herança incômoda, o gaúcho Rafael Pagatini apresenta fotogravuras originadas de documentos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) do Espírito Santo. As fotografias e textos são parte de um relatório do órgão de repressão sobre um grupo de jovens associados ao movimento Teologia da Libertação. O público pode manipular os materiais e recombiná-los, evidenciando a arbitrariedade dos agentes da política.
Campos enfatiza que o trabalho de Paganiti fala de “um acervo indesejado, um espólio que se quer omitir, esconder na história do País”. Assim, a exposição – que reúne ainda obras de Claudia Hersz, José Rufino, Renato Bezerra de Mello, Inês Linke e Louise Ganz – mostra um inegável caráter político, como ressalta o próprio curador. “As obras tratam de uma questão essencial: o que realmente é a propriedade? Obviamente isso nos liga a um pensamento politizado que, infelizmente, está sendo abandonado.”
Serviço – Espólios
Até 5 de fevereiro
Casa França-Brasil
Rua Visconde de Itaboraí, 78, Rio de Janeiro
21 2332-5275
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