Foi no fim de 1994, ainda bastante jovem e inexperiente, que o fotógrafo brasileiro Mauro Restiffe viajou pela primeira vez à Rússia. Encontrou um país recém saído do regime soviético, em crise, e que em nada se assemelhava aos EUA onde vivia e fazia especialização em fotografia. Talvez por isso mesmo ficou fascinado, e em 1995 decidiu voltar ao país para um período mais longo, de oito meses, no qual produziu com sua Leica 35 mm uma série de fotos de Moscou e São Petesburgo. Vinte anos depois, em 2015, já bastante experiente e renomado, Restiffe voltou à Rússia a convite do museu Garage para produzir novas séries de fotos do país. Com a mesma câmera na mão, o brasileiro registrou um país muito transformado, mas também cheio de permanências e semelhanças com aquele dos anos 1990. O resultado do trabalho dos dois períodos está na exposição Post-Soviet Russia 1995/2015, em cartaz no Garage, em Moscou, e que será apresentada – com algumas diferenças – na Galeria Fortes Vilaça a partir do dia 17 de maio.
“Essa produção que fiz na Rússia acabou sendo meio que a minha formação como fotógrafo”, conta Restiffe sobre o que registrou em 1995, quando tinha 25 anos. “Foi um primeiro trabalho que consegui compilar, mas ainda assim eu nunca havia apresentado, só algumas poucas coisas. Ficou totalmente guardado”, completa. Alguns anos atrás, quando decidiu retomar o material por conta de outro projeto, Restiffe se surpreendeu com o que encontrou: “Quando voltei da Rússia nos anos 1990 e revelei os filmes eu fiquei mal, achei aquele material totalmente inútil. Mas quando revi ele recentemente senti que tinha uma força, uma espontaneidade e uma naturalidade. Acho que isso é uma das coisas mais fortes na fotografia, o como a gente olha as imagens com o passar do tempo, essa ressignificação que acontece”, diz Restiffe.
Na atual exposição, imagens antigas, novas e polípticos com fotos dos dois períodos compõem narrativas sobre a Rússia pós soviética, seus espaços, sua arquitetura e sua vida cotidiana. Na verdade, o convite inicial da curadora Snejana Krasteva, do Garage, foi para que Restiffe voltasse ao país para fotografar o processo de construção da nova sede do próprio museu, projetada pelo holandês Rem Koolhaas e inaugurada em 2015. A documentação da obra foi feita, mas acabou não sendo o foco principal de Restiffe e foi incorporada ao restante do trabalho. O que fascinou o fotógrafo, mais uma vez, foram as pessoas e os espaços de uma Rússia que se transformou, mas que segue tão ligada ao seu passado. “Era assim nos anos 1990 e segue sendo, mesmo que muita coisa tenha mudado. Há um certo elemento nostálgico muito forte, dessa relação com o passado, soviético mas não só. Essas camadas de tempo… A história perpassa, e você consegue sentir isso mais do que em outros países”, diz Restiffe.
Com os materiais produzidos nos dois períodos em mãos, o fotografo passou a traçar diálogos entre as fotos e pensá-las também em conjuntos. Segundo ele, em parte pela técnica utilizada – o mesmo equipamento fotográfico foi usado nos dois momentos – e em parte pelas semelhanças encontradas nas ruas do país, muitas vezes é difícil para o público saber se a imagem é de 1995 ou de 2015. “Acabou me interessando muito ter essa justaposição dos dois tempos no mesmo trabalho, e acho que essa confusão temporal é o mais bacana. Você não consegue identificar quando cada foto foi tirada, e mesmo quando consegue segue havendo uma certa confusão, porque mesmo as fotos novas têm um resquício do passado”, diz Restiffe. Segundo ele, a montagem foi feita a partir de associações poéticas, às vezes mais formais, às vezes mais conceituais ou ainda totalmente livres, “mas que dentro do conjunto funcionam, passam a ter uma narrativa interna”.
A exposição no Garage Museum of Contemporary Art segue em cartaz até 26 de junho, enquanto na galeria Fortes Vilaça, em São Paulo, a mostra vai até 18 de junho. No Brasil e na Rússia, o trabalho ganha significados bastante distintos: aqui, trata-se de um brasileiro apresentando para seus conterrâneos fotos de uma terra distante, enquanto lá trata-se de um estrangeiro expondo para os próprios locais o seu ponto de vista sobre a vida russa. “Eu estava um pouco aflito sim, mas senti que eles se envolveram com trabalho”, diz Restiffe sobre a abertura da exposição em Moscou, que aconteceu no início de abril. “Tive respostas incríveis do público lá, e vi que as pessoas se deixavam passar um tempo em frente de cada foto”, conta o fotógrafo.
Serviço – Post-Soviet Russia 1995/2015
Garage Museum Moscow (até 26/6)
Galeria Fortes Vilaça – Rua Fradique Coutinho, 1500 (de 17/5 a 18/6)
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