O conjunto expressivo de 21 pinturas do artista plástico baiano Aurelino dos Santos, exposto na Galeria Estação até 31 de agosto, permite uma visão panorâmica da cultura metropolitana que está na raiz de sua pesquisa com planos geométricos e cores fortes.
Com curadoria do crítico e professor Lorenzo Mammi, a mostra retrata a singularidade de Aurelino no manejo de triângulos, círculos e retângulos, em mistura com ousadas colorações, com predomínio do roxo, laranja, verde, limão e rosa. O pintor evita a profundidade e trabalha com planos, em uma perspectiva mais colada à sensibilidade de um expectador urbano, cercado por uma massa disforme e caótica de volumes, conjugações sobrepostas de cores, que uniformiza o olhar.
Segundo o curador: “Nessa planaridade, Aurelino reconheceu, de alguma forma, a expressão do conflito profundo que o ameaçava pessoalmente por perto, e ao mesmo tempo uma maneira, ainda que precária, de estancar a ameaça, que o salvou de descambar no decorativo, como muitos artistas, inclusive mais aparelhados culturalmente”.
O pintor Aurelino dos Santos participou do ambiente artístico em Salvador a partir dos anos 1960, tendo conhecido Mario Cravo e Lina Bo Bardi, mas seu temperamento arredio fez com que não se adaptasse facilmente aos círculos de artistas consagrados e seguisse um caminho próprio.
Ainda de acordo com Mammi, “sua produção é dotada de um misto de referências que passam pelo barroco, concretismo e neoconcretismo e se utiliza de uma série de recursos como cores chapadas, colagens, pontilhismo e pinceladas fortes”. As imagens que reproduzem conjuntos de edifícios se configuram como totêmicas, causando uma sensação de vertigem ao contemplá-las, como se o espaço urbano ali retratado se desdobrasse em um labirinto de concreto e símbolos.
Rostos e corpos emergem da paisagem e seus contornos se embaralham e metamorfoseiam, contaminando a paisagem com a marca humana, ainda que estilizada.
A sobreposição de cores, planos e figuras geométricas, com traços primitivistas, cria uma massa de formas na tela que arrasta o olhar para o movimento inquietante e difuso das ruas, em um jogo de contrastes e simetrias muitas vezes próximo de um simbolismo exacerbado, quase abstrato. Aurelino incorpora as contradições do espaço da cidade nas imagens, rompendo as fronteiras da banalização do concreto com o atrito cromático.
“Os edifícios se esforçam para ganhar vida: às vezes, conseguem e o acaso das proporções denuncia uma urgência de que a geometria, normalmente, não é capaz; a qualidade dessa pintura está justamente em não esconder o conflito entre a rigidez dos contornos e a animação febril das superfícies, geometria e animismo, levando-o a um ponto máximo de tensão”, explica Mammi.
A inspiração para os quadros de Aurelino vem de suas andanças pelas ruas e vielas de Ondina, cidade onde mora e de onde recolhe materiais do cotidiano e do imaginário, da arquitetura e da fantasia, até extrair o essencial de um cenário em movimento e transformação.
Como um retrato fugaz, mas preciso, os quadros de Aurelino captam o espírito da urbe, sua palpitação humana e os riscos da decomposição, representando para o cidadão uma identidade visual possível, ao mesmo tempo plástica e ética, entre a cidade real e a imaginada.
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