Alberto Giacometti foi um grande artista estrangeirado. Ele nasceu em 1901, na cidade de Borgonovo, na Suíça italiana. Como a maioria dos modernistas europeus mais radicais, passou boa parte de sua vida em Paris. Nessa cidade de expatriados e estrangeiros de todos os tipos, a maioria muito pobres até um certo momento do século 20, é que ele encontrou seu lugar (embora a falta de um lugar claro seja uma das maiores marcas de sua obra).
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Filho de um pintor pós-impressionista, seu irmão Diego foi um famoso designer. Depois de estudar arte em Genebra e em Paris (no primeiro momento, entre 1922 e 1925), Giacometti desenvolveu uma forma marcada pela escultura cubista de Alexander Archipenko e de Jacques Lipchitz. Ao mesmo tempo, seu trabalho de juventude, como boa parte dos contemporâneos aos quais ele pode ser comparado, como Picasso, sofreu o impacto da descoberta modernista, do valor da arte africana e da arte da oceania. Até ai, trata-se do roteiro do melhor do primeiro modernismo. Nos anos 1930, Giacometti fez experimentos com a abstração e causou furor entre os surrealistas (pensemos, por exemplo, em Bola em Suspensão), iniciando uma série de objetos de forte carga erótica. Mas o foco de seu trabalho seria mesmo a busca em reposicionar o senso de realidade no trabalho plástico. Seu peculiar “realismo” o reaproximou de uma certa figuração, cuja poética se abria para uma captação quase “existencial” da realidade e da matéria. E é nesse ponto, já na década de 1940, que ele se consolida como um artista maior entre os maiores, desenvolvendo o estilo pelo qual é facilmente reconhecido (e que foi muito imitado), por meio da criação de finas e esqueléticas esculturas em temas solitários e inquietantes.
No final da década, suas exposições em Nova York o consagraram, mas foi um belo ensaio de Jean-Paul Sartre quem melhor apresentou ao público culto (e potencialmente mais radical do período) o significado da obra de Giacometti. Em resumo: sua arte ficaria então marcada como uma das mais altas expressões dos sentimentos do mundo do pós-guerra. Não à toa, em 1963 ele projetou o cenário para uma peça de Samuel Beckett, consagrando a ligação entre artistas capazes de dizer, pelo silêncio e pela ausência, do estado da vida depois da barbárie consumada.
Giacometti foi conhecido no Brasil graças à admiração de críticos como Sérgio Milliet e Mário Pedrosa. Obras suas foram apresentadas na primeira Bienal de São Paulo, em 1951. Desde então, sua presença na visualidade brasileira é discreta, porém efetiva. De fato, muitos viram, com razão, aproximações de seus trabalhos com a obra de Iberê Camargo ou de Goeldi.
Mais recentemente, o artista recebeu uma sala especial na XXIV Bienal, em 1998, dedicada ao tema da antropofagia. Uma ótima seleção de suas obras foi apresentada na entrada do espaço reservado às salas especiais, infelizmente mal dispostas, ao lado de outras obras que deveriam demonstrar a centralidade do conceito “brasileiro” de antropofagia. Só existe uma obra sua em coleções brasileiras, a escultura em bronze.
Quatro figuras sobre uma base, no MAM-RJ. Assim, a nova exposição na Pinacoteca de São Paulo irá apresentar pela primeira vez um grande apanhado de sua obra, com todas as suas mutações e tendências, tanto pictórica quanto escultórica.
Giacometti é mais celebrado por suas esculturas que por suas telas, gravuras, objetos decorativos e desenhos. Suas esculturas produzem simultaneamente a sensação de tempo e de movimento, mas de uma maneira particular, cuja marca é uma superfície “áspera” e incrivelmente austera. Ele retém a forma original da matéria, sua expressividade, permitindo que ela crie não a ilusão da representação, mas seu reconhecimento.
Jean Genet, outro ícone da marginalidade modernista do pós-guerra, admirou-se ao ver a escultura em bronze de um cão, na qual “a curvatura da pata dianteira, sem articulação definida e contudo sensível, é tão bela que por si só define o andar ágil do cão”.
De fato, esse tipo de efeito traduz algo de sua imensa originalidade. É por isso que o filósofo Jean-Paul Sartre, que aproximou o quanto pôde o artista do existencialismo, acreditava que Giacometti encontrou o absoluto por aceitar a relatividade, na medida em que ele “foi o primeiro que soube esculpir o homem tal como o vemos, isto é, à distância”.
Em Giacometti, temos uma arte verdadeiramente singular, uma poética que lida com essa distância em termos de vazios, asperezas, silêncios, carências e faltas. Em seus retratos configura-se uma obsessiva atenção com a erosão provocada pelo tempo, onde a vida só se revela em traços e vestígios. Como bem notou o artista Barnett Newman: “As figuras de Giacometti parecem ser feitas de cuspe – coisas novas sem forma, sem textura, mas, de algum modo, repletas”. Vida e morte, cheios e vazios, presença e distância: essas são apenas algumas das contradições sem síntese que a obra desse grande artista nos lança aos olhos.
Pinacoteca do Estado de São Paulo
Praça da Luz, 2 – São Paulo – SP
De 24 de março a 17 de junho
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
Av. Infante Dom Henrique, 85 – Parque do Flamengo – RJ
De 17 de julho a 16 de setembro
Fundación PROA de Buenos Aires
Av. Pedro de Mendoza, 1929 – La Boca – Buenos Aires – Argentina
De 13 de outubro a 9 de janeiro de 2013
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