Gisela Motta e Leandro Lima


Marcel Duchamp (1887-1968), francês radicado nos EUA a partir de 1955, que além de precursor da Arte Conceitual foi grande enxadrista, costumava dizer que “a arte não é mais do que um pequeno jogo entre os homens de todos os tempos”. Com essa visão, por certo o inventor da ready made (o mictório de porcelana comprado em uma loja de materiais de construção em Nova York, assinado por ele com o pseudônimo R. Mutt e depois inscrito em uma exposição), certamente apreciaria o que o casal de jovens artistas de São Paulo, Gisela Motta (37 anos) e Leandro Lima (36), aprontou para a mostra Espera, apresentada na Galeria Vermelho, com anotações de 21 das partidas de xadrez que disputou com diversos adversários entre 1920 e 1930 e também nos anos 1960.

Se não é geométrica no sentido estático da palavra, uma partida de xadrez no entender de Duchamp é mecânica porque se move. E, sendo mecânica, também é desenho. “As peças (peão, cavalo, torre, bispo, rei e rainha) não são belas por si mesmas, assim como o fogo”, dizia. “O que é belo – se a palavra ‘belo’ pode ser usada – é o movimento. Então, é uma mecânica, no sentido, por exemplo, de um (Alexander) Calder (escultor mais conhecido como inventor dos móbiles). No xadrez existem coisas extremamente belas no domínio do movimento, mas não no domínio do visual. Imaginar o movimento ou o gesto é o que faz a beleza neste caso. Está completamente dentro da massa cinzenta.” Estava.

Na série Contra Duchamp (2013), Gisela e Leandro conseguem dar mobilidade luminosa ao desenho criado pelas anotações das partidas de xadrez, ao conferir visibilidade ao que antes parecia restrito à mente. “Assim como se extraem sons de uma partitura musical – explica Leandro –, é possível também extrair desenhos de uma partida de xadrez. O que fizemos foi viabilizar o dispositivo para passar a nossa mensagem, ou seja, ligamos a uma unidade mínima de LED (8 cm x 8 cm) um microcontrolador que transforma as anotações e gera animações luminosas, conforme os lances indicados.” As luzes das jogadas de Duchamp são sempre as verdes e as dos diferentes adversários, em outras cores para facilitar a visualização. “A maioria dos jogos ele perde, mas o que importa são as várias ‘leituras’ embutidas no trabalho, entre elas a de também haver espera no xadrez – pela decisão: a decisão do outro”, diz Gisela. 
 

CONTRA DUCHAMP from Gisela MOTTA & Leandro LIMA on Vimeo.

Espera mesmo, de maneira mais literal, é o que se vê na videoinstalação de mesmo nome, também criada neste ano e nunca exibida antes. Sobre dois bancos de aço, pintados com tinta eletrostática, projeções de vídeo misturam sombras reais a sombras de pessoas pré-captadas. Os bancos fazem parte do mobiliário expositivo. Pode-se sentar neles, enquanto as sombras revelam um rapaz e uma moça que em algum momento se sentaram ali, mas nunca juntos e sempre em momentos diferentes. Eles dividem o mesmo espaço, mas nunca se encontram.

“A questão do tempo está presente em diversos dos nossos vídeos. É sempre inquietante, sem dúvida”, observa Leandro. Em Espera, passado, presente e futuro apresentam-se concomitantemente ao olhar do espectador, em um profundo questionamento da maneira primária como a maioria de nós entende o tempo. Os dois bancos são reais, portanto presentes; a presença dos personagens é sentida pela ausência, por suas sombras; há uma fusão entre a sombra do banco, que é real, porque ele está iluminado, e a sombra pré-captada pela filmadora (virtual). O futuro se torna previsível porque a cena se repete sempre.

Os outros dois trabalhos exibidos pela dupla, apesar de não serem inéditos, têm tudo a ver por também tratarem do desencontro. Captcha (2012) consiste de um bordado industrial sobre tecido emborrachado. O bordado reproduz frases de um diálogo extraído do clássico 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, em que um computador elimina os tripulantes de uma nave espacial, depois de cometer um erro e recusar-se a admiti-lo. As frases, antes de serem bordadas, foram distorcidas digitalmente para o padrão capctha (um anacrônico da expressão Completely Automated Public Turing Test to tel Computers and Humans Apart), ou seja, um teste de desafio cognitivo para diferenciar computadores de humanos. Leandro lembra que somos íntimos do padrão capctha, que entre outras coisas protege nossos documentos e contas bancárias quando, ao comprarmos algum produto pela internet, por exemplo, aparecem aquelas sequências de letras e números em formato esquisito para redigitarmos. Essa linguagem, por enquanto, não é lida por computadores. “Esperamos que nunca seja”, almeja Gisela.

Por fim, a videoinstalação Plan Y não é menos provocante. Dois aparelhos de TV de tela plana, colocados lado a lado, mostram cada qual um tanque de guerra tentando capturar o outro, mas em paisagens atemporais, desabitadas e completamente distintas. Eles realizam uma busca incessante pelo oponente, mas como nunca se encontram, a guerra perde o sentido.

No currículo do casal de artistas consta poucas exposições no continente americano, à exceção do Brasil, é claro. “Nosso trabalho tem tido mais entrada em países europeus (Finlândia, Dinamarca, Alemanha, França, Portugal, Espanha, Suécia, Áustria), talvez pelo público ter mais interesse na arte brasileira ou talvez por estar mais interessado no debate conceitual que propomos. Já pensamos sobre isso, mas não sabemos ao certo.”


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