A fotografia em 2010 é onipresente. Obra de arte, memória, comunicação, ela é hoje muito mais que a nossa imaginação supunha no início do século XX.
Como obra, o mercado de arte absorve, em parte, a produção contemporânea por meio de mostras em galerias, museus nacionais e internacionais.
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A Bienal de Veneza tem a presença constante de brasileiros, como Luiz Braga, que participou da edição 53, de 2009. A Bienal de São Paulo mostra, a cada versão, a fotografia como suporte e com presença cada vez mais destacada.
Novas galerias de fotografia se estruturam, galerias de arte tradicionais aceitam sem reservas os novos artistas. O SP-Arte/Foto é um sucesso absoluto de público e de vendas. A fotografia brasileira, há mais de 30 anos, vem se profissionalizando em todas as áreas de atuação. As coleções particulares e os acervos de instituições culturais, bem como os profissionais ligados a curadoria e conservação tentam se organizar desde então para não deixar de acompanhar essa importante evolução.
Mas o que acontece com os arquivos e o acervo desses fotógrafos? Como ficam a organização, conservação, visibilidade e divulgação desses acervos que se acumulam com o tempo? As coleções formadas pelos museus representam a produção brasileira contemporânea?
Os Museus da Imagem e do Som, formatados na década de 1960 nas principais capitais do Brasil, sofreram o descompasso da permanente revolução midiática ocorrida nos últimos anos. Os aparatos técnicos, em constante evolução e de alto custo, não são acompanhados pelo equipamento cultural do Estado. Eles estão se reestruturando para focar melhor e preservar os acervos de música, cinema e… fotografia. No início da década de 1980, surgiram as primeiras ações visando à constituição de uma política nacional de conservação e preservação de acervos fotográficos, que culminou em 1984, na criação do Instituto Nacional da Fotografia da Funarte (INFoto). A historiadora Solange Zúñiga esteve à frente do Programa de Preservação e Pesquisa da Fotografia e foi mentora do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica (CCPF) da Funarte. É coordenado hoje, mesmo depois do desaparecimento do INFoto em 1990, por Sandra Baruki.
Aproveitando a comemoração de 20 anos da Coleção Pirelli-MASP de fotografia e os 10 anos da coleção do MAM, fizemos algumas perguntas a eles e a mais duas instituições que possuem as coleções de fotografia contemporânea mais significativas do Brasil.
A Coleção Pirelli-MASP
Foi criada em 1990 como um projeto conjunto do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand e da empresa Pirelli, ambas com uma histórica ligação com a fotografia. O MASP, desde a década de 1950 com Thomaz Farkas e Geraldo de Barros, ministrava cursos de fotografia e organizava mostras na sede da Rua Sete de Abril. O Calendário Pirelli, existe desde 1964, quando a Pirelli, no Reino Unido, decidiu criá-lo como brinde anual para clientes mais importantes. Na verdade, o projeto do Calendário Pirelli nasceu um ano antes, em 1963, com Terence Donovan, mas não foi publicado. Nomes como Sarah Moon, Arthur Elgort e Richard Avedon realizaram ensaios fotográficos exclusivos para a empresa. A pesquisa, a seleção e a decisão de aquisição para a coleção são conduzidas de forma inteiramente autônoma por um conselho
deliberativo. Não são aceitas doações. A coordenação do projeto é de Anna Carboncini.
Desde 2006, é possivel acessar seu conteúdo pelo site eColeção, versão eletrônica da Coleção Pirelli-MASP de Fotografia, obtendo-se os principais dados acerca das obras e autores. Em 2010, a Coleção completou 10 anos, totalizando 297 autores e 1.112 obras. Em sua 18a edição, incluiu mais 70 obras de 20 fotógrafos de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Pará, além do norte-americano George Leary Love (1937-1995), que recebeu homenagem póstuma ao lado de Luiz Hossaka (1928-2009), fotógrafo do MASP desde os anos 1950 e membro da Comissão Organizadora da Coleção.
Entrevistamos Rubens Fernandes, membro do Conselho Deliberativo da Coleção, diretor da Escola de Comunicações da FAAP, historiador e pesquisador.
Arte!Brasileiros: Quais as categorias ou modalidades contempladas, como elas são definidas? Essas categorias certamente sofreram alterações ao longo dos 20 anos de existência, não?
Rubens Fernandes: Nosso foco é a produção fotográfica moderna e contemporânea. Não qualificamos a fotografia por gênero, mas sim por sua qualidade e originalidade.
AB.: Qual o Conselho-Curador inicial e o atual?
R.F.: O primeiro Conselho-Curador era composto por Piero Sierra, Fábio Magalhães, Anna Carboncini, Boris Kossoy, Mario Cohen, Pedro Vasquez, Rubens Fernandes Junior, Thomaz Farkas e Zé de Boni. Atualmente, após 20 anos de trabalho ininterrupto, o Conselho-Curador da Coleção Pirelli-MASP é composto por Piero Sierra, Anna Carboncini, Boris Kossoy, Mario Cohen, Rubens Fernandes Junior e Thomaz Farkas.
AB.: Como são organizadas as reuniões de indicação de fotógrafos a serem selecionados pelos membros do Conselho?
R.F.: As reuniões são mensais ou quinzenais, dependendo da urgência em concluir o trabalho de seleção dos fotógrafos e edição das fotografias. Uma das características para a inclusão do artista é a unanimidade da decisão do Conselho.
AB.: Como o conselho mantém atualizado seu conhecimento de fotógrafos para apresentar nas reuniões de indicação ?
R.F.: Cada conselheiro tem a responsabilidade de ficar antenado com a produção contemporânea exibida com regularidade em museus e galerias do País. Além disso, as leituras de portfólio e nossa participação nas mais diversas atividades que contemplam a fotografia garantem uma razoável renovação de nomes e trabalhos.
AB.: Quantas obras têm hoje exatamente e como é a instalação da reserva técnica para a Coleção?
R.F.: Após 20 anos de experiência, 18 edições exibidas no MASP, algumas exposições realizadas – Rio de Janeiro, Porto Alegre, Roma e Venezuela -, podemos afirmar que a Coleção Pirelli-MASP tem mais de mil fotografias e 297 fotógrafos.
Coleção do Museu de Arte Moderna de São Paulo
A Coleção de Fotografias do MAM foi criada em 1980 e sistematizada em 1990. Em 2000, foi criado o Clube de Fotografia pelo curador-chefe Tadeu Chiarelli, como fruto da consolidação da fotografia no mercado de artes visuais e do crescimento da linguagem fotográfica dentro dos museus, galerias e bienais. Cinco autores são selecionados por ano pelo curador do Clube. Os associados recebem, mediante pagamento de uma anuidade, cinco obras assinadas e numeradas, de uma tiragem de cem exemplares. Eder Chiodetto, atual curador do Clube, complementa as informações.
Arte!Brasileiros: Quem faz a indicação dos nomes que passam a fazer parte do clube de colecionadores?
Eder Chiodetto: As pessoas interessadas se inscrevem, pagam uma taxa anual e passam a fazer parte, recebendo cinco obras por ano.
AB.: Quem faz a indicação dos fotógrafos?
E.C.: O curador do Clube apresenta e justifica suas indicações ao curador do museu em uma reunião realizada, geralmente, entre outubro e novembro de cada ano. Essa lista possui uns oito nomes. Deste diálogo surgem os cinco nomes, com o curador do museu também podendo sugerir nomes. Já houve casos em que os próprios sócios do Clube sugeriram alguns nomes que foram atendidos.
AB.: Os trabalhos são adquiridos ou são feitas doações?
E.C.: São doados. O museu paga toda a produção e o artista fica com dez cópias para ele.
AB.: A Coleção também é acrescida de fotografias adquiridas, quem decide essas aquisições?
E.C.: Quando o trabalho não entra via Clube, ele segue o fluxo normal das aquisições de qualquer obra pelo museu, ou seja, são analisadas pelo Conselho Consultivo.
Pinacoteca do Estado de São Paulo
Para a formação e complementação de seu acervo, a Pinacoteca do Estado de São Paulo tradicionalmente recebe doações de obras de arte. Todas passam pela análise do Conselho de Orientação Artística (COA), comitê interno da Pinacoteca do Estado, composto por especialistas, que avaliam a possível incorporação da obra.
No caso específico da fotografia o processo foi agilizado com a intensa programação de mostras fotográficas, sob a gestão do diretor Marcelo Araújo e do curador Diógenes Moura. A programação recebe projetos de autores brasileiros e estrangeiros e a curadoria desenvolve projetos próprios, sempre dentro da linha curatorial que tem como foco a diversidade da cultura brasileira desde o início do século XX. O curador Diógenes Moura deu mais detalhes da coleção existente e da que se formou desde sua gestão, apresentando ainda alguns projetos futuros.
Arte!Brasileiros: Desde quando você assumiu a curadoria das mostras de fotografia na Pinacoteca do Estado de São Paulo?
Diógenes Moura: Em 2000, quando o museu começou a fazer pequenas exposições individuais na galeria da Cafeteria. Houve primeiro uma mostra de Fernando Lazlo e, em seguida, já oficialmente, o lançamento do livro Laróyé, de Mario Cravo Neto, com exposição de 26 imagens. Mas, de certa forma, esse processo foi uma sequência, já que o museu, a partir de 1992, já havia incorporado a fotografia em suas exposições – ao lado de outras linguagens ou em mostras individuais, como as de Rotimi Fani-Kayode, Seidou Keita, Pierre Verger, por exemplo. O espaço da cafeteria fez algumas primeiras individuais de fotógrafos como Ricardo Barcellos, que deu origem a projetos exclusivamente pensados para o museu, como a Trilogia Vermelha, iniciada em Cuba (2006), na Rússia (2008) e agora, em abril de 2011, teremos o encerramento com as imagens da China. São três fotógrafos: Ricardo Barcellos, Paulo Mancini e Mauricio Nahas.
AB.: Como as exposições recentes (desde o início da sua gestão) de fotografia colaboram para a formação da coleção de fotografias existente na Pinacoteca? Quantas fotos existem até o momento?
D.M.: A nossa linha curatorial é especialmente pensada como pesquisa no campo da fotografia brasileira. Claro que temos a presença de fotógrafos internacionais em projetos nossos, como a coletiva À Procura do Olhar – Fotógrafos Franceses e Brasileiros Revelam o Brasil (2009), que incorporou ao nosso acervo imagens dos brasileiros Luiz Braga e Tiago Santana, e dos franceses Bruno Barbey e Olivia Gay. A formação do nosso acervo corresponde – com algumas exceções – às mostras realizadas no museu. Atualmente, contamos com cerca de mil imagens em nossas reservas técnicas, que percorrem o período entre 1940 e 2010.
AB.: Quais os projetos futuros da Pinacoteca para o acervo de fotografia?
D.M.: Entre o início de 2011 a 2013 será exclusivamente sobre O Retrato, que reúne os primeiros registros no Brasil pelo fotógrafo norte-americano Augustus Morand, a partir de 1840. Todo esse processo de trabalho irá se incorporar à nova disposição de toda a Coleção da Pinacoteca.
Coleção do Instituto Moreira Salles-IMS
O Instituto Moreira Salles-IMS concentra o mais importante acervo de fotografia do Brasil do século XIX. O material está arquivado na Reserva Técnica Fotográfica do Instituto, um pavilhão com cerca de 600 m2. É o único edifício do gênero, construído especialmente para esta finalidade.
Tem agregado nos últimos anos, em comodato, convênios, doação ou aquisição, acervos particulares que permitiram que os trabalhos de fotógrafos, como Thomaz Farkas, Otto Stupakoff, Alécio de Andrade, Stefania Bril, José Medeiros, Maureen Bisilliat, fossem preservados e colocados à disposição de pesquisadores e público em geral. O convênio estabelecido com o MIS-SP, por exemplo, possibilitou a preservação da obra do fotógrafo cearense Chico Albuquerque (1917-2000).
Cada aquisição resulta em uma catalogação, projeto de exposição, cópias de tiragem limitada e publicação que enriquecem muito as possibilidades de divulgação da obra. Sergio Burgi explica.
Arte!Brasileiros: Como e quando foi iniciada a coleção de fotografia do IMS?
Sergio Burgi: O Instituto foi criado em 1990. O primeiro centro cultural de Poços de Caldas já abrigava parte do acervo de fotografias do próprio embaixador. A reserva técnica e o gabinete fotográfico do Rio de Janeiro, construído na antiga residência da família, começou a ser projetado depois, e as atuais instalações iniciaram as atividades em 1999.
AB.: Você esteve ligado desde o começo? Com quais atribuições?
S.B.: Desde 1999, quando comecei a trabalhar exclusivamente no acervo. Coordeno serviços voltados à recepção, restauração, guarda e divulgação de acervos fotográficos.
AB.: A preocupação com a reserva técnica e a conservação foram prioridade desde o início?
S.B.: A partir da aquisição da Coleção Gilberto Ferrez e da formação de um importante conjunto de fotografias da primeira metade do século XX, a reserva técnica se tornou prioritária. Hoje, no total, são mais de 550.000 imagens. O material é catalogado e preservado para colocar à disposição do público especializado e para o público em geral, para pesquisas e consultas, exposições e publicações.
AB.: As exposições e publicações do próprio Instituto são iniciativas agregadas às doações?
S.B.: Fazem parte dessa política de difusão dentro dos espaços do próprio Instituto ou em parceria com outros museus.
AB.: Qual a política para a aquisição de um acervo?
S.B.: A aquisição da obra completa do fotógrafo. A aquisição de acervos particulares completos implica ainda outra categoria de valoração da obra do autor. A fotografia passa a ter sua importância reconhecida dentro de um contexto mais amplo no tempo e na história.
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