Desafio: assinar documento impresso com o compromisso de dizer sempre o que pensa. Essa é a proposta da instalação (e balcão de assinaturas) The Probable Trust Register: the True Rules of the Game (em tradução livre – O Provável Registro da Crença: As Verdadeiras Regras do Jogo), da norte-americana Adrian Piper, Leão de Ouro de melhor artista da 56a Bienal de Veneza.
Não sei se Okwui Enwezor assinou esse útil documento. De qualquer modo, algo soa muito falso na decisão dele em reservar enorme espaço na Bienal veneziana para uma plateia assistir à leitura em voz alta, linha por linha, de quatro volumes de O Capital. Sem demérito, claro, da seminal obra de Karl Marx, a coisa não funciona. Não naquele lugar nem desse modo.
Tenta-se animar a longa leitura (nos sete meses da duração da mostra) com um tratamento operístico. O artista inglês Isaac Julien articulou performances de música instrumental, canto e dança. Locutores tentam dramatizar os trechos mais áridos. Não faltou sequer o constrangimento de um ator fantasiado de Marx, com os longos cabelos e as barbas brancas da imagem oficial do filósofo.
Como pretender discurso anticapitalista dentro de uma das mecas do capital? Seria como pretender pregar a revolução operária em Davos. A Bienal de Veneza conta com poderosa coleção de logos para patrociná-la e o mercado de arte para torná-la possível. Populismo de esquerda patrocinado pela plutocracia? Pois.
Sim, acho ótimo que a arte contemporânea seja multidisciplinar, expandida, englobando teorias econômicas
e políticas. Só não precisa ser panfletária. Invocar (desse modo) O Capital não altera em um milímetro as regras
do jogo cristalizadas em 120 anos de existência da Bienal de Veneza. Sinceridade? Nem Enwezor parece acreditar nisso. Ele só achou um mote politicamente correto (e com bastante potencial polêmico) para ancorar seu espetáculo midiático.
Deixe um comentário