História, teoria e muita prática

Liu Bolin, Hiding in the city, Red N°1, fotografia, 2012 - Foto: Liu Bolin/Cortesia Klein Sun Gallery
Liu Bolin, Hiding in the city, Red N°1, fotografia, 2012 – Foto: Liu Bolin/Cortesia Klein Sun Gallery

“Fazer uma bienal de performance sem Marina Abramovi teria sido um fracasso logo de entrada.” A categórica afirmação vem de Graciela Casabé, diretora desse encontro iniciado em 27 de abril. O evento ocupa diferentes espaços da cidade de Buenos Aires e da província de San Juan, durante todo o mês de maio e parte de junho.
Pronunciadas horas antes da apresentação da artista na abertura da BP15, as palavras de Casabé adquiriram pleno sentido antes mesmo de Abramovi subir ao palco. Ali, ela leu seu Manifesto, sobre a condição do artista, e se adequou com grande parcimônia ao diálogo pautado com Andrea Giunta, diretora do Centro Experimental da Universidad Nacional de San Martín, instituição que sediou esse momento inaugural diante de uma plateia fascinada.

A “grande mãe da performance” encarna em si mesma a história do gênero desde que surgiu com a prática experimental, entre os anos 1960 e 1970. Ao longo dessas décadas, poderia se dizer que essa disciplina baseada no tempo, tão difícil de categorizar, cresceu e se transformou junto à singular obra de Abramovi. Em parte, foram sua convicção e sua firmeza que projetaram a performance para além do pequeno círculo em que se apoiava e pavimentou a ela o ingresso aos circuitos centrais da arte contemporânea. Em todos esses anos, Abramovi se colocou diante do público, irritou-o, mobilizou-o e, finalmente, o somou às suas experiências com uma entrega surpreendente.

Ela leu seu Manifesto sem deixar de reconhecer certo caráter antigo nesse ato performático, mas necessário para fixar uma posição frente à arte e àquilo que considera que deva ser um artista: “Um artista não deve mentir para si mesmo nem para os outros”.
“Não deve roubar ideias nem fazer de si mesmo um ícone.” “Um artista não deve ceder diante do mercado; um artista deve ser erótico e desenvolver um ponto de vista erótico do mundo; deve se permitir sofrer, deve sofrer.” Tudo nessa sequência de afirmações, lidas com diferentes matizes de voz, parecia trazer ao palco convicções das vanguardas, ao passo que uma transmissão via streaming projetava sua voz e sua presença para um público mais vasto por meio das novas tecnologias.

Sophie Calle que fará uma adaptação de sua conhecida obra Prenez Soin de Vous - Foto: Jean-Baptiste Mondino
Sophie Calle que fará uma adaptação de sua conhecida obra Prenez Soin de Vous – Foto: Jean-Baptiste Mondino

Abramovi se colocou em pé até terminar seu Manifesto e só então se sentou para repassar com Giunta os diferentes capítulos de sua obra, que em grande medida são os da mesma performance. No dia seguinte, centenas de pessoas participaram da oficina aberta durante a qual ela e seu assistente puseram em prática os exercícios que fazem parte do Método Abramovi.

História, teoria e prática encarnadas numa figura emblemática. Nada mais apropriado para dar início à primeira edição de uma Bienal que se propõe abordar todos esses aspectos em sua programação. Mas, sobretudo, ocupar um nicho ainda vago na região.

O programa é vasto. Até o fim de maio chegará a Buenos Aires Sophie Calle, que fará uma adaptação de sua conhecida obra Prenez Soin de Vous. Artistas e intelectuais argentinos analisarão, a partir de uma perspectiva masculina, a famosa carta de despedida que Calle recebeu. Entre as estrelas internacionais estarão também Laurie Anderson e Tania Bruguera, cuja presença ainda estava em dúvida em razão de um conflito travado com as autoridades cubanas.

Gabo Ferro e Emilio García Wehbi Na primeira parte de sua trilogia Artaud 1, Lengua-Madre - Foto: Nora Lozano
Gabo Ferro e Emilio García Wehbi Na primeira parte de sua trilogia Artaud 1, Lengua-Madre – Foto: Nora Lozano

O Malba | Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires contribuiu com um prólogo para a bienal ao inaugurar em março Experiência Infinita, uma mostra de sequências performáticas que incluiu criações de Allora&Calzadilla, Tino Sehgal, Dora García, Elmgreen&Dragset e Roman Ondák. Também teve um trabalho muito forte do argentino Diego Bianchi que vinculou uma performance a seus objetos; e outro, definitivamente performático, do argentino Osías Yanov.

Do âmbito local foram integradas todas as vertentes possíveis, originadas tanto no teatro, na literatura, na música, quanto nas artes plásticas. Todas no fim se desdobram em um caráter híbrido difícil de definir. Entre elas, Papelón, de Roberto Jacoby e Alejandro Ros; Des Lucidos, de Provisorio Permanente; Dedicatórias, de Martín Bauer e Alejandro Cesarco; Colección de Gallos, de Ana Gallardo; Asamble, de Amalia Pica; e, é claro, a indispensável Marta Minujin, que fará Encuentra Tu Igual, uma “ação local/global de convergência social através das redes”. Nada mal para começar.

1ª Bienal de Performance BP.15
Até 7 de junho
Buenos Aires – Argentina
bp15.org


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