ENTREVISTAR FERNANDA GOMES a respeito de sua próxima exposição individual na Galeria Luisa Strina não é uma tarefa fácil. Não que a artista tenha receio de falar sobre seu trabalho, pelo contrário, é extremamente receptiva, mas é autora de uma obra singular, que resiste bravamente à mediação do discurso. Ao longo de mais de duas décadas, vem desenvolvendo com coerência incomum um trabalho no qual o espaço é sempre determinante. Assim, a única maneira de se ter uma dimensão apropriada de sua obra é estar nos ambientes que cria, pois até mesmo as reproduções fotográficas fatalmente pecam por não capturar elementos que lhe são intrínsecos, como o vazio entre os objetos, a refração da luz em determinado ponto ou o movimento discreto de um fio de seda que vibra levemente com o deslocamento do ar.
Fernanda conta que a mostra (Sem título, assim como todos seus trabalhos e exposições) será articulada em torno das ideias de luz e leveza máximas, questões que orientaram seu elogiado projeto na 30ª Bienal de São Paulo, em 2012. Este, apesar de bem-sucedido, produziu alguns resultados imprevisíveis, segundo a própria artista. Foi por “acidente” que, na sala cuidadosamente planejada para ser um espaço completamente autônomo, acabou produzindo uma peça de chão muito bem resolvida e que não poderia ser desfeita porque, como ela conta, nunca mais iria fazê-la novamente. Essa peça criou uma situação em que o olhar era direcionado para uma seção específica do piso que continha muita informação, em prejuízo da criação da ideia de autonomia total. Justamente esse detalhe – a cor, a textura de um piso –, que provavelmente não incomoda a grande maioria dos artistas, é da maior importância no trabalho desta artista que possui habilidade única em observar e transformar aquilo que é geralmente visto como detrito em composições extremamente sofisticadas.
O risco é, sem dúvida, inerente a seu processo de trabalho, que envolve uma vivência intensa no espaço expositivo, produzindo respostas ao mesmo tempo espontâneas e rigorosas. “Começo com princípios muito claros, mas o modo como busco ficar muito solta, muito livre, me leva a lugares que, às vezes, eu não havia procurado. Mas fico contente de estar ali, e vou seguindo”, diz Fernanda. Um método semelhante deve nortear sua mostra na Galeria Luisa Strina, com quem exibe há 20 anos. Diferentemente de individuais anteriores, nessa mesma galeria, onde ela percebe uma espécie de continuidade, agora pretende retomar certas peças do vasto vocabulário que desenvolveu nesse período.
Não se trata, contudo, de uma retrospectiva no sentido estrito da palavra, mas de “um olhar retrospectivo, para determinadas situações”, cujos desdobramentos ainda não foram exaustivamente explorados. “Tentarei focar, de certa maneira, no que eu falhei na Bienal, no sentido daquilo que não desenvolvi”, explica. Assim, um dos projetos será a criação do espaço de autonomia total. Além disso, a presença das peças em madeira não deve ser tão forte como em suas exposições recentes. Entre os possíveis materiais a serem retomados estão o plástico e o tecido, dando seguimento a uma pesquisa sobre seu caráter cinético: “Em seu aspecto mais básico”, como faz questão de ressaltar. A pintura ou o desenho realizados diretamente na parede também devem ser retomados aqui.
Leveza e economia de meios são características tanto estéticas quanto éticas na obra de Fernanda Gomes: seu silêncio e aparente simplicidade são uma espécie de respiro em tempos de mercantilização desenfreada da arte. A artista conta que, respondendo a um e-mail recentemente enviado pelo produtor da galeria, no qual perguntava se haveria obras muito pesadas na exposição, respondeu: “Não, leveza máxima”.
Serviço: Fernanda Gomes
Galeria Luisa Strina (Rua Padre João Manuel, 755)
De 20 de maio a 21 de junho
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