A imigração e a poética da memória no trabalho de Marcelo Brodsky

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“La Rueca”, Marcelo Brodsky. Foto: Divulgação

O velho e bom álbum de fotografias. Embora ameaçado pelos avanços tecnológicos, o objeto ainda povoa o cotidiano das pessoas, revelando as frestas entre as lembranças de cada um e o passado comum a todos. É justamente esse diálogo entre a memória e a história que norteia a mostra Migrações, individual de Marcelo Brodsky promovida pelo Paço das Artes no Museu da Imagem e do Som de São Paulo. Com curadoria de Priscila Arantes, a exposição apresenta uma série de fotografias nas quais o artista realiza intervenções que atribuem novos sentidos às imagens.

A imigração é uma temática que perpassa a própria vida do artista argentino. Na virada do século XIX para o XX, seus avôs vieram da Rússia para a Argentina, fugindo da perseguição aos judeus. Décadas depois, nos anos 1980, o próprio artista deixou as terras portenhas em direção a Barcelona. Assim como tantos outros de sua geração, ele escapava da repressão política da ditadura militar argentina, uma das mais sanguinárias do continente, que assassinou em torno de 30 mil civis, inclusive o próprio irmão do artista. Em Barcelona, Brodsky tornou-se fotógrafo e economista, retornando para a América Latina depois de oito anos de exílio. Foi essa proximidade com o assunto que fez com que ele decidisse apresentar esses trabalhos: “Queria aproveitar a experiência positiva da minha família para mostrar que a imigração não é necessariamente negativa, que ela pode ser muito boa para o País que recebe as pessoas. No meu caso mesmo, aprendi muito com a transição democrática espanhola. Quando retornei à Argentina, trouxe esse conhecimento comigo”, comenta o artista.

A exposição é divida em três eixos. No primeiro, o artista traz uma série de fotografias do acervo particular de sua família que retratam a chegada de seus avós em Buenos Aires. Na segunda parte são expostas fotos tiradas pelo próprio Brodsky em Barcelona durante o seu período de exílio. A curadora Priscila Arantes destaca que, nesses dois eixos, há um desejo do artista em apresentar novas perspectivas para as imagens do passado: “O Marcelo se reapropria dessas fotografias e as ressignifica, colocando textos, dando vida. São inscrições poéticas, que reativam esse arquivo como se fosse um testemunho”, afirma.

Por fim, as imagens da terceira parte provém de uma agência de fotografias e retratam a imigração contemporânea. O artista conta um pouco sobre o processo: “Eu compro as fotos e depois intervenho com textos  e cores para fazer uma remarcação. Dessa forma, eu tiro a fotografia do circuito da imprensa e a insiro no circuito da cultura e da arte. A imagem adquire assim um papel muito diferente. Os pequenos gestos de cor e textos aumentam o seu impacto”. Assim como o artista chileno Alfredo Jaar (leia aqui), Brodsky chama atenção para o papel político das imagens: “Eu escolhi fotografias que retratam as pessoas chegando e nunca morrendo no caminho. Tudo que tem a ver com mostrar mortes, sangue, espanta o público ao invés de aproximá-lo. Nessa exposição, queria passar uma imagem positiva do processo, trazendo questionamentos ao público e não fazendo com que ele vá embora”, afirma.

O conjunto de obras revela assim as imbricações entre as trajetórias pessoais e a história coletiva, naquilo que a curadora chama de “poética da memória”: “Há uma força muito grande nessas imagens que encarnam passagens traumáticas, seja no caso da ditadura militar, na perseguição antissemita ou nas imigrações contemporâneas. Mas o interessante é que é uma exposição que, apesar de trabalhar com temas tão dolorosos, tem uma potência de vida”. Para o artista, a “memória é necessária para não repetirmos os mesmos erros do passado. Claro, vamos cometer novos erros, mas precisamos aprender com as experiências históricas”, afirma.

Serviço – Migrações
Até 20/11
Paço das Artes no MIS
Av. Europa, 158, Jardim Europa, São Paulo, sp
11- 2117-4777

 

 


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