Interlacing traz ao MIS-SP o controvertido Ai Weiwei

Esta foto faz parte da Documenta 12, na Alemanha, quand o Ai Weiwei apresentou o projeto Contos de Fadas, instalação viva composta por 1.001 cidadãos chineses

Interlacing é a primeira mostra individual no Brasil do polêmico artista chinês Ai Weiwei, unindo centenas de fotos, vídeos e textos criados entre 1983 e 2011. Tendo um compêndio abrangente com o foco na fotografia, o MIS – Museu da Imagem e do Som de São Paulo retrata por meio desse meio tão usual para a instituição o percurso de um dos artistas mais instigantes da atualidade.

Em princípio, a maior parte das obras expostas enfatiza o caráter autobiográfico, uma vez que a fotografia em si é utilizada por Ai Weiwei há décadas. Sem arranjos elaborados e sem retoque da tecnologia atual, a exposição se inicia com uma série feita em Nova York, entre os anos 1983 e 1993, período em que lá residiu, retornando à China para cuidar do pai enfermo, o poeta Ai Qing.

Ainda em Nova York, o foco de sua lente era voltado para seu microcosmo, composto principalmente de amigos e colegas chineses, estendendo-se a intelectuais locais e depois a situações do cotidiano urbano nova-iorquino em uma despretensiosa representação do trivial. Porém, nunca se pode pensar que as atuações de Ai Weiwei sejam inofensivas, mesmo que assim ressoem à primeira vista. Hoje, são apresentadas mundialmente inúmeras mostras de Ai Weiwei, todas realizadas e inauguradas sem a presença física do artista, que se encontra desde 2012 em prisão domiciliar, tendo sua casa controlada por 15 câmeras de segurança instaladas pela polícia local. Em abril de 2011, o artista foi mantido preso por 81 dias em local desconhecido e isolado do mundo. Porém, foi justamente esse ato autoritário do governo chinês que deu a Ai Weiwei, hoje com 56 anos de idade, enorme visibilidade como um dos maiores porta-vozes das injustiças sociais em âmbito nacional.

Ai Weiwei não teme as consequências e, como seu pai, convive com as injustiças políticas e sociais na China. Ai Qing foi igualmente perseguido pelo então regime comunista, viveu como estudante de Arte e Filosofia entre 1929 e 1932, em Paris, sendo influenciado por autores internacionais. Após seu retorno, fez parte da Associação Artística de Esquerda, e preso por esse motivo. Após sua libertação, desenvolveu a carreira acadêmica, chegando a ser diretor do Departamento de Língua Chinesa da Chongqing YuCai University. Em 1941, entrou para o Partido Comunista Chinês. Porém, em 1957, foi acusado de atuações de direita e exilado na região camponesa do país, ficando distante de locais onde poderia causar certa influência. Inicia-se aí uma nova fase de restrições no país, a fim de neutralizar a oposição da qual Ai Qing participava e que levantava voz contra o fracassado plano econômico chamado Grande Salto Adiante (1958-1960), que causou a morte de milhões de pessoas devido à fome generalizada. A partir de 1966, foi instaurada por Mao Tsé-Tung a Revolução Cultural Chinesa, com medidas rígidas para inibir ainda mais a oposição. Ai Qing foi degradado de intelectual ao exílio no próprio país. Após superar essa fase e a tomada de medidas mais amenas no país, Ai Qing chegou a ser vice-presidente de Associação dos Poetas Chineses, no ano de 1979. Em 1985, foi condecorado por François Mitterrand como Comandante da Ordem das Artes e Letras.

[nggallery id=16156]

Vemos que, assim como seu pai, o percurso de Ai Weiwei é todo delimitado pelo sistema em que vive. A autonomia econômica atual na China é fruto de um afrouxo de rédeas tomado pelo governo, a fim de dar uma margem de satisfação à população por meio do poder econômico. Ocupados com essa regalia, muitos cidadãos chineses passam a ignorar as restrições sociopolíticas impostas à população. O mundo em si chega a ignorar aberrações do sistema político local, pois nenhuma economia ativa sobrevive sem atrelar laços econômicos com a China – uma potência econômica em ascensão. São, então, os artistas que fazem de sua obra uma plataforma de alerta às aberrações locais. Ai Weiwei não é único. Há inúmeros ativistas que chegam a duvidar do ativismo político de Ai Weiwei, considerando-o um oportunista que faz uso da mídia internacional para o enriquecimento de seu próprio ego, causando ressonância positiva no valor de mercado elevado atingido por sua obra de arte.

A mostra atual no Museu da Imagem e do Som poderá elucidar essa dúvida ao público brasileiro e latino-americano, uma vez que não houve até hoje uma mostra tão abrangente do artista no continente. O enigma que gera a exaltação do artista perante obras conceituais e autobiográficas – fazendo uso de técnicas banais de mídia, como blogs, fotos imediatistas de celular colocadas na rede e outros meios defensores de um imediatismo de difusão –, em contraste com a censura e controle de imprensa que a China tenta ainda implantar pelo uso desses meios dentro do país.

Interlacing foi concebida pelo Winterthur Museum, da Suíça, e passou pelo Museu Jeu de Paume, em Paris. Os 11 núcleos de obras que compõem a exposição – Paisagens Provisórias, Aeroporto de Pequim – Terminal 3, Ninho de Pássaro, Estudo de Perspectiva, Retratos de Contos de Fadas, Terremoto, Estúdio de Xangai, Fotos de Celular, Fotos de Blog, Fotos de Nova York e Fotos de Pequim – relatam sobre o universo singular do artista, expandido para sua obra de arte em uma notória dimensão estética e conceitual à frente de seu ativismo incansável.

Nesse percurso, Ai Weiwei não se encontra sozinho. Artistas contemporâneos chineses, como Yang Shaobin, RongRong&Inri, relatam em suas obras temas abordados também por Ai Weiwei, como o desolado tratamento dedicado às frágeis crianças em uma sociedade em pleno processo de transformação, assim como o trabalho fotográfico e autobiográfico de RongRong&Inri, que se posicionam em um ato performático diante de prédios condenados à distribuição, para dar vazão ao novo e descartável, renúncia de um inestimável legado histórico e cultural. Os chineses alegam que possuem duas faces – a oficial e a não oficial –, a fim de criar estratégias de sobrevivência. Porém, a partir do momento que uma pessoa passa a ser instrumentalizada pelo sistema, essa flexibilidade cai em desuso. Isso aconteceu com Ai Weiwei que, após o retorno à China e perante a repercussão de sua obra internacionalmente, obteve uma abordagem do governo para atuar de forma participativa. Daí surgiu o convite para colaborar com o renomado escritório de arquitetura Herzog & De Meuron na execução do estádio Ninho de Pássaro, para os Jogos Olímpicos de 2006, em Pequim. Durante esse processo, Ai Weiwei não deixou de criticar o abuso de poder. Sua postura e personalidade não lhe permitem a manipulação de sua pessoa pelo sistema, a fim de atuar como objeto de propaganda política. Ao cair em desgraça, viu o atelier para ele prometido e construído pelo governo chinês em Xangai ser plenamente destruído e varrido do mapa em poucos dias. Eis aí um dos exemplos de contextos pessoais retratados em obras fotográficas expostas no MIS.

A Galeria Pilar, de São Paulo, apresenta entre 3 e 23 de março também uma mostra de Ai Weiwei, a Becoming, na qual será exibido o portfólio com o mesmo nome e que documenta através da fotografia o processo de construção do Terminal 3 do Aeroporto de Pequim também finalizado em 2006 como parte do programa de melhorias para os Jogos Olímpicos de 2006 – mais um relato de desprezo e desperdício perante tantas outras prioridades da Nação.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.