Irradiações e escuridão

Carlo Bernardini, Invisible Dimensions, no Museu Oscar Niemeyer
Carlo Bernardini, Invisible Dimensions, no Museu Oscar Niemeyer

O tema Luz do Mundo pode suscitar diversos pontos de partida de significação para iniciar uma reflexão. A mais óbvia das entradas é pelo texto do curador-geral, Teixeira Coelho, que já tinha transitado por esta Bienal em 2013. Mas entremos no tema justamente por sua ausência, a escuridão. A escuridão é pré-condição de existência da luz, irradia-se quando há sombra. A luz é tomada como imprescindível para a existência humana tanto quanto a água e o ar, e é no contraste com a sua sombra, em algum sentido, que podemos fazer a leitura desta exposição. Luz mais sombra é igual a irradiação sensível e delicada de significações para o acesso aos diversos espaços da Bienal.

Diversos espaços, diversos curadores, diversos circuitos. A sensação de que uma rede óptica entrelaça os mais variados eixos da Bienal espalhados pela cidade de Curitiba é evidente. Irradiação em mais de um sentido. A beleza, enquanto atributo indissociável da luz, remete-nos ao período alegórico Barroco, reforçado pelo empréstimo do título do romance de 1927 do islandês Halldór Laxness. Teixeira Coelho recupera o livro pela forma em que seu autor afirma que o poder da beleza está no centro da experiência estética.

Em duas salas do Museu Municipal de Arte, o Muma, há uma parte da mostra principal da Bienal. Em uma das paredes estão expostos três trabalhos: duas pinturas barrocas e italianas – de Ciro Ferri e Agostino Masucci – , de dimensões tímidas, que fazem margem a uma obra de espátula e gestos de tintas largos que está localizada no meio das outras duas, e é contemporânea e brasileira – de Adriana Varejão. O tema é o mesmo: a luz divina, ou seja, a crença religiosa, neste caso, católica. A parede evidencia uma aproximação de tempos distintos provocando uma anacronia muito bem-vinda em uma exposição contemporânea.

Surpresa agradável assim como o encontro com a instalação de Bill Viola. Ao subir a escada caracol de uma das torres da Catedral Metropolitana de Curitiba, que dá acesso ao mezanino onde está localizado o órgão imponente da igreja, nos deparamos com um vídeo do artista. Como um portal espiritual místico, o vídeo inspirado em escrituras sagradas nos envolve com três mulheres em cenas lentas e hipnotizantes.

Por outro viés, no Museu Oscar Niemeyer – MON, Dan Flavin e Julio Le Parc, por exemplo, são atrações memoráveis e sucesso de público. Fila para ver obra de arte aos domingos no MON virou coisa rotineira nesta Bienal. Será pelo deslumbramento ao se envolver nos espaços de tecidos e com a luz pulsante de Le Parc? Provavelmente sim. A luz, enquanto fenômeno químico-físico que possibilita a passagem da mesma em múltiplas cores, já é, por si só, deslumbrante. Basta ver um arco-íris.

A tecnologia também garante a intermediação da arte ao público, mas não somente isso. Ela também representa o poder da arte de aproximação com o ser humano, em diálogos sobre religião, magia, beleza, tecnologia, arquitetura e deslumbramento. A Rodoferroviária de Curitiba, recém-reformada, e onde predominavam o branco e o concreto, é tomada pelas curvas coloridas de Tom14. Sem jogos de luzes e uso da tecnologia, mas, sim, cor, muita cor e curvas sensuais, atraem os olhares dos passantes.
Dividida em Circuitos, Mostra Principal e Bienal Aberta, esta edição da Bienal Internacional de Curitiba se desdobra, refaz-se, multiplica-se. Premia jovens curadores, lança edital e seleciona universitários para um circuito só deles, abrindo possibilidades de inserção institucional. Em períodos de intempéries econômicas, promove um circuito dos museus da cidade, privilegiando espaços por vezes esquecidos, trazendo público não somente para as galerias, que, a propósito, já existem em grande quantidade na cidade. Por isso vale a visita ao site da mostra, para conferir a lista completa de espaços que abrigam e dialogam com a arte neste evento.

Por fim, a Unesco decretou 2015 como o Ano da Luz. Um tema que a princípio poderia parecer clichê, mas que na curadoria de Teixeira Coelho se torna uma rede infinita de significados sugeridos pela quantidade de artistas e curadores convidados, além de espalhar-se pela cidade, o que só reforça a imensidão do assunto e a completude de sua abordagem. Resgatado do romance de 1927, o título atribuído pelo curador à Bienal aguça a curiosidade para a busca dessa Luz do Mundo. Mas, já aviso: a busca está só começando. E, por meio da arte, encontrá-la não é o fim, ainda que isso também tenha importância. O objetivo maior é a beleza de sua caminhada eterna.

Bienal de Curitiba 2015
Até 6 de dezembro
Diversos locais
bienaldecuritiba.com.br

                                                            


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