No dia 25 de março passado, um sábado, cerca de 50 voluntários se reuniram na avenida Madison, esquina com a rua 75, em Nova York. Ali fica o Met Breuer, prédio que abriga as obras modernas e contemporâneas do Metropolitan Museum of Art. Eram idosos, jovens, crianças, homens e mulheres que, animados, participaram da instalação Divisor, criada em 1968 pela artista carioca Lygia Pape (1927-2004) e posta em prática pela primeira vez no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro.
Trata-se de um imenso pano branco na vertical, com diversas aberturas onde se encaixam as cabeças de cada participante. Juntos, e sob a guarda de policiais, os moradores de Nova York marcharam por oito quadras até a sede do Metropolitan Museum, na Quinta Avenida, onde foram recebidos por olhares curiosos, entusiasmo e muitos cliques dos turistas.
O evento fez parte da agenda que celebra a primeira retrospectiva da brasileira em solo americano: Lygia Pape – A Multitude of Forms (“Lygia Pape – uma Infinidade de Formas”) ocupa o quarto andar inteiro do Met Beuer até 23 de julho. Para a curadora da mostra, a espanhola Iria Candela, embora desconhecida do grande público, “Lygia foi um dos nomes mais influentes de uma geração artística que pensava positivo na era do pós-Guerra”.
A exposição apresenta aos norte-americanos cinco décadas de produção artística, explorando desenhos, instalações, pinturas, poesias datilografadas e vídeos feitos pela artista (alguns em formato super 8) que retratam imersões em favelas e tribos indígenas. “É uma bela surpresa ver o desenvolvimento dos trabalhos dela conectados pela primeira vez e notar como eles falam entre si”, comenta Claudia Calirman, professora de História da Arte da Cuny University (Universidade da Cidade de Nova York). Há também icônicos trabalhos de design, como o pacote do biscoito Presuntinho, da marca Piraquê, uma das embalagens criadas por ela na década de 1970.
Nos textos que acompanham a mostra, a curadoria relembra a época da ditadura militar no Brasil e aborda a carreira acadêmica de Pape em artes, filosofia e arquitetura. Os visitantes aprendem sobre a arte concreta, que teve origem em Paris na década de 1930 e que, após a Segunda Guerra, chegou à America Latina, ganhando força com a abertura do Masp e do MAM.
Em 1952, quando Lygia e seu marido se mudaram para o Rio, vindos de Nova Friburgo, ela passou a frequentar encontros de artistas organizados pelo artista Ivan Serpa –dois anos mais tarde, eles criariam o Grupo Frente, que trazia “novas formas para um Brasil mais moderno.”
Um dos artefatos expostos é um jornal dominical do MAM, datado de março de 1959, sobre o neoconcretismo; além de Pape, a capa incluía nomes como Ferreira Gullar e Lygia Clark. Hélio Oiticica também era um grande personagem da época, além de amigo próximo de Pape. “Ao contrário de Lygia Clark e de Hélio Oiticica, Pape ainda é pouco conhecida e merecia uma mostra como esta. Foi importante ver como ela inclui aspectos sensoriais nas obras e como aborda as minorias”, observou Calirman.
Destacada pelo jornal New York Times pelo trabalho politicamente engajado de Pape, a mostra tem como um dos pontos altos uma parede dedicada ao projeto Livro do Tempo, um mosaico de 365 quadrados com formas geométricas todas singulares, representando cada dia do ano. “A curadoria mostra como a Lygia foi saindo do papel, começando pelos desenhos e poesias e acabando com a obra 3D e com luzes”, diz Beatriz Canepa, que visitou a mostra e pretende voltar com as filhas adolescentes para experimentar as sensações propostas pela artista.
Quem visita o museu aos domingos pode participar da Roda dos Prazeres: 16 tigelas com tintas azul, vermelha, verde e amarela que lembram gelatina em forma liquida. Ao lado de cada tigela, fica um conta-gotas. Na parede, há um vídeo feito na praia da Barra da Tijuca em 1967 mostrando Pape rodeada por tigelas. Ela pegava um líquido colorido via conta gotas e colocava na boca. Basta imitá-la.
Reservada para o final, uma sala escura mostra Ttéia 1, uma instalação premiada na Bienal de Veneza em 2009 –linhas douradas simétricas iluminadas de forma a lembrar raios de sol. As linhas parecem flutuar. Na loja do Met Bauer, encontra-se o catálogo da exposição com todas as obras, e postais com imagens de alguns de seus trabalhos –incluindo a memorável embalagem do Presuntinho.
Met Breuer
945 Madison Avenue @ 75th Street
Terça, quarta, quinta e domingo, das 10h às 17h30; sexta e sábado, das 10h às 21h (fechado às segundas)
www.metmuseum.org/visit/met-breuer
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