Matemática: A Beleza em Tudo

Quem passar pela Fundação Cartier de Paris até 18 de março é surpreendido por uma das iniciativas mais audazes do pensamento interdisciplinar e da arte contemporânea dos últimos tempos.

O filósofo Edgar Morin é diretor emérito de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) e fundador do Centro de Estudos Transdisciplinares, Sociologia, Antropologia e História (CETSAH) da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) de Paris. É considerado, desde a segunda metade do século 20, o autor da epistemologia da complexidade, que busca mostrar a importância de integrar aspectos de diferentes áreas de conhecimento para podermos refletir sobre o indivíduo e explicar o mundo que nos rodeia.

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Morin introduziu a ideia de que conhecimentos segmentados e compartimentados em disciplinas não mais nos ajudariam na forma de compreendê-los. A partir disso, vários métodos de estudo e pesquisa consideraram a importância de um olhar não reducionista, não disjuntivo. Um olhar para o todo e suas partes.

O pensamento de Morin está presente, propositadamente ou não, no produto final que o diretor da Fundação Cartier, Hervé Chandès e os curadores Jean-Pierre Bourguignon, matemático, e o astrofísico Michel Cassé idealizaram e executaram na exposição Mathématiques, un Dépaysement Soudain (Matemática, Súbita Mudança de Cena). A iniciativa contou com a participação do Institut des Hautes Études Scientifiques (IHÉS), de Paris, centro internacional de pesquisa em Matemática e Física e sua relação com a Biologia; a UNESCO, a European Space Agency (ESA), que possui satélites próprios para a realização de observações na área de Geologia e Astronomia, e tecnologia, o Institut Astrophysique de Paris (IAP), dedicado especificamente ao estudo do universo e o Institut Henri Poincaré (IHP), que desde 1928 trabalha em todos os campos onde a matemática cumpre um papel fundamental. Foi aí que Einstein lecionou sua Teoria da Relatividade e onde foi desenvolvido o primeiro projeto francês de computação.

A exposição
Digna de uma sequência didática, a arquitetura e expografia da mostra é uma obra em si mesma. Concebida pelo artista David Lynch, que é também pintor e músico, usa a linguagem cinematográfica para se expressar. O espaço criado por ele é ocupado por diferentes suportes – projeções de vídeo, depoimentos, pinturas, esculturas –, equações que se transformam em imagens e imagens que são equações.

Segmentos de retas, formas geométricas que emanam do chão, das paredes. Imagens poéticas cheias de racionalidade. Uma teia complexa transformada em construções gráficas cheias de sutilezas. A matemática está presente em tudo.
Trata-se de um espaço laboratorial que surgiu da junção de pensadores, matemáticos, astrofisícos, artistas, roqueiros e diretores de cinema, dando lugar a um gesto surpreendente em que todas as áreas envolvidas conversam e se relacionam.

Mas por que escolher a matemática como o elo condutor de áreas capazes de produzir beleza?

Para Jean-Pierre Bourguignon, PhD em Matemática pela Université de Paris VII: “Não é fácil definir o que a matemática é ou porque está tão presente em todas as manifestações que nos circundam”. Em todo caso, ele diz que são vários os que consideram a matemática como semelhante à arte. Citando G. H. Hardy, ele nos lembra que matemáticos, pintores ou poetas são criadores de padrões. Só que os da matemática seriam mais permanentes, por serem construídos por ideias. Para Poincaré: “Fazer matemática é a arte de dar o mesmo nome para coisas diferentes”. E isso a tornaria responsável por quase todo o pensamento abstrato.

O matemático franco–russo Misha Gromov, que recebeu o Abel Prize, em 2009, por suas revolucionárias contribuições à Geometria, mas prefere ser chamado de “matemático – ser humano”, foi responsável pela sala Lybrary of Mysteries (Biblioteca dos Mistérios) e pela sala The Four Mysteries (Os Quatro Mistérios). No catálogo da obra, ele sintetiza: “O primeiro mistério é o da natureza das leis físicas, que acredita que a estrutura irradia, a partir de um único ponto, algo que excepcionalmente se distingue pelo mais alto grau imaginável de simetria, a simetria que se dilui e se dissipa enquanto o universo se revela a um observador humano.”

O segundo, diz, é o da vida. “A simetria dissipada estruturalmente da matéria física e evolui para outro tipo de estrutura, condensa-se em ilhas estruturais no mar exponencialmente grande de todos os resultados imagináveis.”
O terceiro mistério é o do funcionamento do cérebro. “Aqui, uma massa de matéria orgânica aparentemente amorfa e acidentalmente desenvolvida é capaz, por meio de caminhos ditados fisicamente, de selecionar uma resposta adequada do espaço duplo exponencial de (imaginárias?) possibilidades.

A única maneira para representar qualquer uma das três estruturas em um formato compreensível para a mente humana (cérebro?) é a construção de modelos matemáticos.

Quase tudo o que vemos em matemática hoje tem evoluído sob a influência do primeiro dos três mistérios. Os matemáticos continuam procurando a simetria fundamental do universo, projetados sobre o raciocínio humano. Mas isso jamais ajudou na elucidação das estruturas da vida e da mente (cérebro).”

E aí diz Gromov: “É aqui onde aparece o quarto mistério, o mistério da estrutura matemática. Por que e quando ele aparece, como podemos modelá-lo, e como o cérebro consegue criá-lo a partir do caos do que é produzido externamente?”.

Para pensar e refletir sobre os mistérios, Gromov apresenta ao público, em forma de biblioteca virtual, uma seleção de inúmeros títulos e textos criados por filósofos e cientistas ao longo da história, relativos à presença da matemática na vida e no universo.

Entre eles os Fragmentos, de Heráclito, século 5 ou 6 a.C.; On the Heavens, de Aristóteles, do século 4 a.C.; Dialogues Concerning Two New Sciences, de Galileu Galilei, em 1638; The Mathemátical Principles of Natural Philosophy, de Issac Newton, de 1686; Experiments in Plants Hybridisation, de Gregor Mendel, de 1865; Charles Darwin com o Origin of Species, 1859; até Computing Machinery and Intelligence, de Alan Turning, meados do século 20.

A artista brasileira Beatriz Milhazes, que trabalha ha vários anos com a Fundação Cartier, foi responsável pela criação de The Paradise (O Paraíso) e Mathematical Paradises (Paraísos Matemáticos), colagens e vídeos com base na proposta do matemático francês Cédric Villani. Em depoimento no catálogo da exposição, ela diz que sempre esteve interessada por Geometria, mas que o convite para a participação desse projeto permitiu-lhe descobrir até onde a matemática faz parte de nossas vidas.

Com essa mostra, a Fundação Cartier coloca a matemática e a arte na mesma cena: sua importância para o conhecimento humano. Ambas despertam a curiosidade, soltam amarras, enterram qualquer rescaldo de preconceito positivista e criam uma forma livre de pensar o mundo.


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