Para que a instalação de Nuno Ramos Ai, Pareciam Eternas! (3 Lamas), com 250 toneladas de material, coubesse na Galeria Celma Albuquerque, em Belo Horizonte, foi necessário arrebentar todo o piso para acomodar três piscinas retangulares que dão suporte a três réplicas em tamanho natural das casas em que morou o artista: da avó, da mãe e a de seu primeiro casamento.
O projeto levou quase dois anos para se concretizar e os primeiros esboços da estrutura complexa da exposição foram realizados no ateliê do arquiteto Allen Roscoe, parceiro de Ramos, em Nova Lima. A montagem levou 35 dias e mobilizou 40 pessoas. Foi o maior investimento da história da galeria, segundo seus diretores.
Como sempre acontece com as obras de Nuno Ramos, o resultado é provocador, remetendo a uma fruição desconcertante e crítica, a partir de um processo de desconstrução lúcida de materiais, significados e mesmo de modos de interpretações apaziguadoras. São obras que criam o próprio espaço de sua realização, para além da arquitetura e dos suportes, no limite entre os resíduos que se cristalizam na memória, ainda que precariamente, e o efêmero. O fenômeno estético, se é que ainda se pode chamar assim, é a passagem da materialidade para a ruína, do concreto para a finitude, da certeza para o risco, ou o imprevisto.
Na intervenção do artista sobre o espaço consolidado da galeria, que precisou ser destruído e reconstruído, os telhados imensos das três casas tanto brotam do chão como podem afundar nas piscinas de lama em três cores – preto, branco e marrom –, em um jogo de imagens do passado que submergem no inconsciente. Essa figuração problemática da memória, ou de fragmentos materiais que incorporam os resíduos do tempo, no entanto, se materializa como escombros da experiência pessoal. A dramatização da ruína é apresentada com a reprodução dos materiais que dão sentido à realidade – paredes, portas, janelas, telhados, estilo arquitetônico, tintas, madeira –, só que deslocados de seu contexto e recortados, literalmente, pelo gesto preciso, quase geométrico, do artista.
Nuno Ramos não executa uma figuração simples do passado, por meio de objetos marcantes em sua história de vida ou de uma espécie de representação afetiva de elementos memorialísticos, mas busca uma situação de confronto, de atrito entre a obra e o meio, o material e os sentidos que projetamos nele, o que é residual naquilo que parece permanente ou o que se pode aprender com a derrota, a perda.
Observada de fora da galeria, a instalação causa espanto e algum desconforto, como se houvesse ali uma fratura de grandes dimensões no espaço arquitetônico e com a ocupação desproporcional, inusitada, do interior da galeria. Há um diálogo entre as estruturas das três casas, relacionado à geometria das formas, à sua materialidade. Para o artista, trata-se de fazer com que a “presença das coisas venha antes da interpretação”.
Em novembro, Nuno Ramos inaugura uma exposição na Galeria Anita Schwartz, no Rio de Janeiro, com a montagem de dois globos da morte de circo, circundados por uma estrutura de vidro e fragmentos de peças. Nos dois trabalhos, o artista tenta reconfigurar a desordem material do mundo em uma ordem poética instável e possível, na tentativa de dar concretude ao imaginário.
Nuno Ramos terá um pavilhão no Instituto Inhotim, previsto para 2014, onde enfrentará o desafio de tornar permanente sua arte transgressora e arredia, construída na fronteira entre a concretude e sua negação.
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