Movimento de ocupação da Funarte SP conquista direito de propor gestão participativa do espaço

 

Pessoas se reúnem na sede ocupada da Funarte de São Paulo. Foto: Divulgação Facebook
Pessoas se reúnem na sede ocupada da Funarte de São Paulo. Foto: Divulgação Facebook


O clima era de tensão na tarde da terça-feira (19), na sede da Funarte de São Paulo. As pessoas que ocupavam o local havia dois meses, desde que o governo Temer anunciou o fim do Ministério da Cultura, temiam que, a qualquer momento, a polícia chegasse e as expulsasse do espaço. No dia anterior, um oficial de justiça havia entregado uma notificação de reintegração de posse, determinando que o movimento deixasse o local até as 16h do dia seguinte. A ordem de saída, emitida pelo Ministério Público Federal, baseava-se em um relatório, feito pela Funarte de São Paulo, que alegava uso de drogas por menores, danos ao patrimônio, dentre outras justificativas, questionadas pelo movimento.

Diante da possibilidade de intervenção policial e confronto, foi marcada uma reunião de negociação entre representantes da ocupação, do Ministério Público Federal, advogados do movimento e a procuradora da Funarte, Renata Renault dos Santos, que veio diretamente do Rio de Janeiro. Depois de horas de embate e propostas, estabeleceu-se o que até pouco tempo atrás parecia improvável: uma saída pacífica, na qual se acordou que os ocupantes terão 15 dias úteis para devolver o prédio, deixando de utilizá-lo como moradia. No entanto, a ocupação artística permanecerá, com o compromisso da Funarte em manter tanto a programação, já planejada pelos próximos 60 dias,  quanto o diálogo para estabelecer uma forma de gestão colaborativa do espaço e programação.

O diretor de teatro Pedro Paula Rocha, que é filho do cineasta Glauber Rocha, foi um dos representantes do movimento que participaram das negociações. Segundo Rocha, o acordo com a Funarte foi benéfico, apontando para novas formas de gestão cultural: “Este prazo de 15 dias não será apenas para deixarmos de morar no local, mas para idealizarmos uma nova proposta de espaço compartilhado para a Funarte. O objetivo é desconstruir a gestão centralizada da cultura, rompendo com o conceito de edital, por exemplo, e pensando em um espaço muito mais fluído, que seja da cidade, da arte contemporânea, dos movimentos sociais, de todos”, afirma. Durante esse período, os integrantes do movimento também apresentarão um novo relatório, que irá contrapor aquele feito pela Funarte, contabilizando “todas as ações realizadas ao longo desses dois meses de ocupação que trouxeram inúmeras pessoas para este espaço”, diz Rocha.

O advogado Hugo Albuquerque, que defendeu o movimento durante a reunião, ressalta que “a negociação foi feita com a Justiça e não com o governo. A dimensão política e ideológica do movimento permanece a mesma”.  Segundo Albuquerque, a acusação era de que a ocupação se tratava de uma invasão, que prejudicava o funcionamento do órgão público. A partir dessa alegação, os advogados montaram a defesa: “Se o problema, diante da lei, era haver pessoas morando aqui, nós saímos, tudo bem. O que interessa é manter  a produção artística e a programação instituída. Com esta proposta, a própria Funarte e o Ministério Público Federal concordaram e assinaram embaixo, comprometendo-se em manter e formalizar a programação proposta pelo movimento, que apresentará um projeto de autogestão para a Funarte. Em suma, foi uma grande vitória dos ocupantes”, afirma o advogado.

Aparelhamento

 

O artista pernambucano Lourival Cuquinha também participou das negociações.  Ele integra o coletivo Aparelhamento, que reúne mais de 200 artistas, com o intuito de gerar questionamentos e fundos para iniciativas principalmente contra o governo Temer. O coletivo havia acabado de montar uma exposição em um dos espaços da Funarte, com mais de 200 obras doadas por artistas como Beto Shwafaty, Marcelo Cidade, Mônica Nador, Pablo Lobato, Thiago Martins de Melo e Virginia de Medeiros. Os trabalhos serão vendidos em um leilão, que acontecerá no sábado (23/7) na própria Funarte, no qual as obras serão comercializadas por um valor até 40% mais barato do que o preço praticado pelo mercado. Uma obra de Iran do Espírito Santo, por exemplo, poderá ser adquirida por cerca de R$ 3.000 outra de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, por R$8,000  – confira a lista de preços completa neste link. Com o resultado das negociações realizadas ontem, garantiu-se que o leilão ocorrerá normalmente.

Cuquinha afirma que uma parte do dinheiro arrecadado será destinada ao movimento de ocupação. O restante financiará “ações artísticas e poéticas contra o golpe”, que serão decididas, em assembleia, pelos artistas participantes. Indagado pela ARTE!Brasileiros sobre como serão essas ações, o artista não revela muito, dizendo apenas que algumas “terão proporções nacionais, funcionando como inserções em circuitos ideológicos”, brinca, em referência à obra icônica de Cildo Meireles. Os trabalhos que não forem vendidos integrarão o acervo do Centro Cultural São Paulo. Feliz com o acordo realizado ontem, Cuquinha enfatiza: “A ideia é que pessoas, que em geral são a favor do golpe, venham até a ocupação comprar obras com preços mais baratos”.


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