A inauguração do novo endereço do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – onde antes funcionava o DETRAN, com apenas 17 obras em um acervo de aproximadamente dez mil – tem significado mais político que propriamente estético, para marcar território e iniciar de fato a transição. A reforma do edifício projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer no Ibirapuera começou em 2009, custou R$ 76 milhões aos cofres da Secretaria de Estado da Cultura e gerou certo atrito com a reitoria da USP que, em princípio, se opunha à mudança do museu para aquele local. Superadas as divergências, o novo espaço do MAC estreou com uma exposição modesta e composta por nomes consagrados da escultura no século 20, ocupando apenas o andar térreo do edifício.
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Com curadoria do crítico de arte Tadeu Chiarelli, também diretor do museu, a mostra O Tridimensional no Acervo do MAC: uma Antologia tem a proposta de representar, de modo conciso, as rupturas e as crises que marcaram as artes visuais em um período delimitado, a partir do final da Segunda Guerra até aos anos 1990. Segundo Chiarelli, a ideia é destacar o “esfacelamento do conceito tradicional da escultura ocorrido nas últimas décadas”. Ao todo, são 17 obras, algumas de grandes proporções, que ocupam uma área ainda pequena do museu.
A proposta da direção do museu é de que o acervo seja transferido aos poucos da USP para o Ibirapuera nas várias exposições que serão montadas ao longo do ano, a cada trimestre. O segundo e o terceiro andares do prédio receberão mostras de artistas contemporâneos, previstas para outubro. Do quarto ao sétimo andar ficarão expostas obras do acervo, em grandes exposições, com maior duração e curadorias distintas, a partir de maio, entre elas a de León Ferrari. O espaço do anexo, com pé direito alto e vão interno amplo, poderá acomodar peças de maiores proporções.
O Museu de Arte Contemporânea foi criado em 1963, com a doação feita por Francisco Matarazzo Sobrinho, conhecido como Ciccillo Matarazzo, de centenas de obras da arte de sua coleção particular à USP. Entre os muitos artistas importantes presentes na coleção de Ciccillo estão De Chirico, Picasso, Kandinsky, Léger, Miró, Matisse, Braque e o único autorretrato conhecido de Modigliani.
Na véspera da abertura da exposição e do novo espaço destinado ao museu, o secretário de Estado da Cultura, Andrea Matarazzo, sobrinho de Ciccillo, afirmou que a mudança para o Ibirapuera permitiria “o acesso mais amplo a um dos maiores acervos de arte contemporânea da América Latina”. Além disso, Matarazzo destacou que “o parque recupera sua vocação original, e para a qual foi concebido, de ser um polo de cultura na cidade de São Paulo”.
No antigo espaço ocupado pelo MAC, na USP, só era possível ter acesso a menos de 1% do acervo e a estimativa agora é que sejam exibidas até 15% das obras, ainda de acordo com as expectativas do secretário.
Ao selecionar as obras que fazem parte da exposição sobre o tema da crise das artes visuais no pós-guerra, a curadoria optou por um aspecto que chamasse a atenção para a importância do acervo, com nomes de destaque, e que ao mesmo tempo permitisse uma ocupação efetiva do ainda limitado espaço térreo do prédio. Futuramente, não serão mais realizadas exposições ali, que deverá ser ocupada pela recepção, uma loja e o café.
Peças de Maria Martins (O Implacável, de 1947), Henry Moore (Figura Reclinada em Duas Peças: Pontos, de 1969/70) e Franz Weissmann (Torre, de 1957), entre outros, ocupam a primeira sala da mostra e provocam nos visitantes leituras de um legado modernista inquieto, mas que ali estão em harmonia, como que apontando para a contemplação e não o atrito de formas.
Noutra sala, um pouco distante, estão obras de Ernesto Neto (Sem Título mas com Amor, de 1990) e Carlos Fajardo (Sem Título, de 1988), também emblemáticas de uma pesquisa contemporânea, com os limites do objeto e as fragilidades da representação. Entre o modular e o minimalista, apontam para o estranhamento no sentido de solidão, mediado pela presença concreta e muda das coisas. No mesmo ambiente estão as pedras nomeadas de Chihiro Shimotani (Impresso sobre Rocha, de 1973), dispostas ao chão como entraves à comunicação e ao movimento, embora tenham palavras impressas em sua superfície irregular, estabelecendo com o visitante um diálogo enviesado e perturbador.
Outras peças ainda se destacam, seja por sua lucidez crítica apolínea, como na justaposição de concreto e madeira de Cildo Meireles (Parla, de 1982), ou por sua deformação da matéria e do volume em uma estrutura de nylon escuro e ferro com 3 m de altura de Carmela Gross (A Negra, de 1997), que dialoga com a obra homônima de Tarsila do Amaral. De um lado, a releitura da funcionalidade dos utensílios cotidianos, como a cadeira, perante o uso humano impensado, repetitivo e inconsciente; de outro, o luto da matéria como suporte de sentimentos e representações humanas, como um totem para ser exposto em praça pública.
Vistas de modo isolado, como elementos de um quebra-cabeça a ser decifrado, as peças expostas no MAC metaforizam a necessidade de interação com o olhar do cidadão na metrópole e sua inserção problemática em um meio que se desumaniza aceleradamente.
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