A noite de 13 de novembro de 2015 ficou marcada pelo triste episódio ocorrido na noite parisiense. Os atentados atribuídos ao Estado Islâmico, que deixaram mais de 100 mortos, causaram comoção mundial e deixaram o ocidente em estado de alerta. Fronteiras fechadas, noticiários exclusivos, amistosos cancelados e uma sensação de impotência e luto tomaram praticamente o mundo todo.
A cerca de 4100 km da cidade luz, no entanto, a mesma noite triste não se restringe à parte escura do dia e tampouco se resume a um episódio: da aurora ao crepúsculo, a Síria e o Iraque assistem desde 2012 (o segundo, desde muito antes) milhares de seus habitantes e de suas cidades sucumbirem à velocidade terrível da guerra. Pais perdem filhos, filhos perdem pais, pais e filhos perdem vizinhos, todos perdem a todos. O que começou como parte integrante da famigerada primavera árabe rapidamente desaguou em uma guerra sanguinária na qual o Estado Islâmico enfrenta as forças do Presidente sírio Bashar Al-Assad, bem como mísseis da OTAN e agora mais recentemente da Rússia Putinista.
Bem longe destes dois distintos (embora semelhantes na sensação de dor e pânico) lugares , o designer e curador Marcelo Dantas se indaga: “O Brasil, São Paulo em especial, também foi construído pelos sírios. Todos nós possuímos ou ao menos conhecemos um amigo sírio. Mas ironicamente são poucos os que se comovem com a situação deles. Em relação a Paris, é tratado como um conflito secundário, de menor importância” explica. “Mas a dor de um pai que perde um filho nos atentados da França é a mesma que o pai que perde o filho na guerra síria” acrescenta.
O atentado na França aconteceu quase às vésperas da inauguração da exposição Filhos da Guerra: O Custo Humanitário de Um Conflito Ignorado. Sob a curadoria do mesmo Dantas, a exposição, sediada na Zipper Galeria, surgiu através de uma parceria da mesma com a Humans Right Watch Brasil. São nove fotografias realizadas pelo brasileiro Gabriel Chaim em tamanho grande. Para os acostumados a imagem e a informação fácil, parece pouco. Parece.
Dispostas na sala quadrada da galeria, as mesmas estão desigualmente distribuídas pelas paredes. A sensação é a de não saber por onde começar, já que a intensidade das fotografias convida o espectador a se solidarizar, horrorizar ou admirar (talvez todos esses juntos). O segredo é se permitir ser guiado pelo olhar.
Talvez se decepcionem aqueles que esperam ver fotos de soldados, cadáveres e bombardeios. No lugar disso irão se deparar com a Jovem Flávia, de etnia curda, que, com um olhar perdido e escorada em uma barraca em algum campo de refugiados, assistiu sua cidade ser arrasada pelo Estado Islâmico e por muito pouco não virou escrava sexual dos mesmos. Encontrarão um garoto que, em meio a uma mesquita bombardeada, parece olhar para o destruído teto em busca de alguma luz. Se depararão com Zaira, que perdeu toda a sua família, incluindo seu amado marido, e vive um uma escola destruída.
O que se vê são narrativas, são pessoas como nós, que têm famílias. São semelhantes aos franceses que perderam seus entes queridos no triste dia 13 de novembro. “Não foi por acaso” afirma Dantas. “Fotografar mortos e soldados não aproxima o público da guerra. Ele olhará tudo aquilo com distanciamento. Mas a partir do momento em que ele observa mulheres, crianças, famílias como a dele, inocentes que pagam o preço de uma guerra sanguinária, ele criará empatia. A dor que é a do francês do dia 13 e que ele sentiu, sentirá também ao compreender a dor de inocentes que perdem tudo” confirma.
Para além de ser uma outra forma de se entender essa guerra, a exposição revela o até então fotojornalista Gabriel Chaim. Com passagem pela CNN e GloboNews, Chaim foi por livre e espontânea vontade fotografar o conflito, cujas imagens até então haviam sido produzidas exclusivamente pelo Estado Islâmico. “Ele se revelou também um grande fotógrafo, de grande qualidade artística” conta Dantas. O fotógrafo chegou a estar em Kobane, um dos pontos altos do conflito. São fotos únicas e inéditas, que dão ao conflito um tom menos geopolítico e mais humanitário.
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