“Não vou chegar pregando verdades”, diz novo curador do MAM Rio em exclusiva à ARTE!Brasileiros

Fernando Cocchiarale. Crédito: Divulgação
Fernando Cocchiarale. Crédito: Divulgação

Novo curador de artes visuais do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), Fernando Cochiaralle, 64, assume o posto ciente dos desafios que tem pela frente – num momento em que tanto se fala de crise –, mas tranquilo por estar amparado por uma das mais importantes coleções de arte moderna e contemporânea do país, hoje com quase 16 mil obras. “Para quem gosta de montar exposições, com esse acervo você não se aperta”, diz ele, que já esteve à frente da curadoria do museu entre 2001 e 2007 e conhece como poucos a reserva da instituição.

Cochiaralle, que sucede Luiz Camillo Osorio no cargo, não propõe, por ora, grandes mudanças na linha curatorial do museu. “Acho esquisita essa mania brasileira, que as pessoas chegam e deixam o que estava sendo feito pela metade, inclusive coisas positivas. Como se uma gestão tivesse que romper com a anterior. (…) Vai ser um ano de reflexão e pesquisa. Um ano de transição ainda”, conclui.

Professor da PUC-RJ há mais de 30 anos e da Escola de Artes Visuais do Parque Lage há 25, Cochiaralle discorda dos que falam em qualquer tipo de crise ou perda de importância no MAM, e afirma ver muitos avanços no museu nos últimos anos. Além disso, enxerga o período olímpico como uma boa oportunidade para a instituição apresentar para um vasto público uma grande mostra do seu acervo.

O curador recebeu a ARTE!Brasileiros em seu apartamento, no Rio, e falou sobre estes e outros assuntos. Leia abaixo.

Quase dez anos após deixar a curadoria do MAM-RJ, em 2007, você volta agora a assumir o mesmo posto. O que mudou de lá para cá, seja no museu, seja no seu modo de trabalhar?

A primeira coisa que está diferente sou eu. Eu não tinha uma qualificação acadêmica. Sou formado em filosofia, tinha cursado os créditos do mestrado, mas eu sentia necessidade de estudar mais, fazer um doutorado. Não pela titulação, até porque eu nunca quis ser professor universitário fulltime. Para mim é importante dar aula, porque eu fico em contato com jovens, com artistas, com a atualização intelectual que a prática docente determina, mas o doutorado não era por isso. Eu achei que estava na hora de estudar, e um doutorado dá uma disciplina. E então foi o que eu fiz, em Tecnologias da Comunicação e Estética pela Escola de Comunicação da UFRJ, a partir de 2008. E foi ótimo, aprendi muito, potencializei muito do que estava disperso na minha cabeça. Também continuei dando aula, fiz alguns trabalhos importantes de curadoria, como na Casa de Cultura Laura Alvim, ou a exposição Hélio Oiticica – Museu é o Mundo, a mostra Waldemar Cordeiro – Fantasia Exata, entre outras coisas. Também voltei para a Funarte. Bom, fui tocando a minha vida até ser surpreendido pelo convite do Bebeto (Carlos Alberto Chateaubriand, presidente do MAM).

E no museu, muita coisa mudou?

Muita coisa andou. O educativo, a cinemateca, muita coisa mudou para melhor.

Quer dizer, não só na sua área específica…

Sim. Eu entendo que o curador de artes visuais tenha uma visibilidade maior, já que é um museu de arte moderna, mas o museu é muito maior e mais complexo que isso. Ele tem setores, subordinados a muitos profissionais com relativa autonomia. Então eu vou entrar numa instituição em que não só a curadoria caminhou neste período – houve dois curadores desde que saí –, mas várias áreas avançaram. E eu entro para integrar uma equipe que já existe e está funcionando. Acho que nós temos que conversar e potencializar nossos trabalhos de modo que essas áreas somem. Quer dizer, quero estar em contato com os outros setores, para a gente potencializar ações que são feitas mais isoladamente.

O MAM Rio, projetado por Affonso Eduardo Reidy. Crédito: Vicente de Mello
A sede do MAM Rio, projetado por Affonso Eduardo Reidy. Crédito: Vicente de Mello

E quais as linhas a serem seguidas? Quer dizer, como você pretende iniciar seu trabalho?

O MAM tem uma programação que foi deixada pela última curadoria. Então eu quero ver justamente o que foi combinado com os artistas e dentro do possível honrar. Porque eu acho esquisita essa mania brasileira, que as pessoas chegam e deixam o que estava sendo feito pela metade, inclusive coisas positivas. Como se uma gestão tivesse que romper com a anterior. Tem muitas coisas demonstrando vitalidade, que temos que manter. E vai ser um ano de reflexão e pesquisa. Eu sei que quero montar uma grande exposição do acervo. E se por algum motivo alguma exposição agendada não puder vir, não tem problema, eu vou para a reserva técnica e resolvo. Então para esse ano não tenho nenhuma ideia mirabolante, nenhuma salvação da pátria. Já vi muita gente chegar em instituições que trabalhei cheios de ideias grandiosas, maravilhosas, mas sem se perguntar se quem estava lá dentro trabalhando há décadas já não tinha tido essas mesmas ideias. Ideias todo mundo tem!

Voltando um pouco, você disse que o MAM mudou, que você mudou… Do mesmo modo, as perspectivas curatoriais também se transformaram nos últimos tempos, certo? Você acha que isso muda de algum modo o seu trabalho e o seu ponto de vista nessa nova etapa no museu?

Nesses últimos 30 anos houve uma grande inflexão no modo pelo qual a produção artística é encarada. Algumas pautas se tornaram mainstreams nas práticas curatorias, como a reverberação da pauta multicultural, ou pós-colonial, onde questões que fazem fronteira entre arte e a política se tornaram fortes: questões de raça, de gênero, uma crítica ao eurocentrismo etc. O doutorado (concluído em 2012) me ajudou a compreender a razão de ser dessas pautas. Embora eu nunca tivesse me empenhado muito neste tipo de perspectiva, não se pode ignorar a importância dela. E um museu de arte moderna, ainda que não deva perder sua perspectiva moderna original – que não tinha nada a ver com essas pautas, pelo contrário, propunha uma arte universalista –, não pode ignorar as questões curatoriais contemporâneas. Até porque um museu de arte moderna hoje é também um museu de arte contemporânea.

Quer dizer, o MAM não deve ser purista, neste sentido, de ser só moderno?

Sim, não pode ser purista em vários sentidos. As coisas não podem ser setorizadas demais. Podemos misturar muitas coisas em uma mesma exposição: obras nacionais ou estrangeiras, pinturas e videoarte etc. Você pode criar zonas de contraste, de confronto, juntando coisas de períodos diferentes. Hoje em dia, nós somos editores do passado. O mundo dito contemporâneo é um mundo que está o tempo todo revisando o passado. E a ideia é não ter um museu que pretenda fazer uma genealogia purista. Então, no MAM, a minha tendência é misturar as coisas. Desde que eu não crie falácias, eu quero misturar as coisas.

E incorporar essas pautas multiculturais, pós-coloniais, é de alguma maneira pensar as coisas a partir de um posicionamento geopolítico mais do sul, digamos assim? Quer dizer, pensar o MAM como um museu no Rio de Janeiro, no Brasil, na América do Sul…

Olha, nem por isso eu vou fazer um museu local ou brasileiro. O museu tem uma vocação que é pautada pela sua coleção. Você não pode fazer tábula rasa de uma coleção que tem Brancusi, Giacometti, Pollock, e pensar: “Ah, isso não tem a ver com nossas raízes”. Seria besteira. O Rio tem que ver Pollock, arte europeia e tudo mais…

Sim, a ideia é não se fechar em nenhum modelo único, nenhum grande pressuposto…

As exposições de arte elas terminam por atualizar, conforme o olhar de uma pessoa e época, determinadas coisas. Então acho que se você for olhar o perfil das instituições brasileiras, não existem parâmetros. Cada caso é um caso, dependo da instituição, do curador. O Museu de Arte Moderna felizmente foi concebido de uma maneira em que ele pode acolher e criar várias cenas, ele tem essa possibilidade. Não há um manual cartesiano, um princípio universal para a montagem, porque seria uma contradição inclusive com uma pauta que quer questionar o universalismo se eu viesse com princípios e regras fechadas, universais.

E pensando no panorama das artes visuais no Rio, também muito diferente de dez anos atrás, como você vê o espaço de atuação do MAM hoje?

Nos últimos anos surgiram o MAR (Museu de Arte do Rio), o Museu do Amanhã, antes o MAC-Niterói e vários outros museus. Virá também o novo Museu da Imagem e do Som, tem uma quantidade crescente de galerias, a ArtRio cresceu. Quer dizer, o panorama das artes no Rio ficou mais complexo e mais diversificado. Tem gente que, nostalgicamente, acha que o MAM perdeu seu brilho e importância por causa de algum problema interno. Não é verdade. Há uma enorme diferença quando você é a única instituição da cidade que mostra arte moderna, contemporânea, filmes raros etc., e trinta anos depois quando você tem uma série de lugares que fazem isso. Antigamente só tinha o MAM para ir, e ele cumpria um papel muito amplo. Não tinha concorrência. Mas que ótimo que hoje tem! E justamente essa história toda do MAM, de quase 70 anos, é um diferencial dele em relação a todas essas outras instituições. O barato de uma cidade diversificada é que tenha instituições de todos os tipos.

Quer dizer, não há crise?

Tem quem diga: “o MAM está em crise”. Eu digo “então viva a crise”, porque tem 70 anos e está super vivo, funcionando. Recentemente tivemos uma miragem, que foi a Casa Daros, que veio para não ficar. Uma instituição que criou uma expectativa imensa, que tinha dinheiro e tudo, e deu errado. Você vê que essa coisa de crise ou não crise, dinheiro ou não dinheiro, isso conta, mas não pode ser o grande assunto.

Você fala inclusive sobre esse papo recorrente de crise econômica?

Se a gente está vivendo um momento de crise econômica, isso não quer dizer que as perspectivas do museu estejam em crise também. Se é um momento em que há mais dificuldades para captação de verbas, não significa que a cabeça das pessoas que tocam o museu está em crise.

Por fim, existe algum planejamento específico para as Olimpíadas?

Sim, mas nada sobre futebol, natação etc. Acho que a cidade vai estar super bem visitada e eu quero fazer uma exposição da coleção, com essas contaminações digamos assim, sem purismo, porque é uma grande chance que acho que o museu tem de se apresentar como um museu que tem um enorme acervo, bastante complexo.


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