A narrativa marginal de Diane Arbus

Jack Dracula at a bar, New London, Conn. (1961)
Jack Dracula at a bar, New London, Conn. (1961)

O mundo da fotografia acordou mais triste no dia 26 de julho de 1971. Diane Arbus (1923-1971) deixava o mundo após cometer suicídio. Perdíamos uma grande fotógrafa, mas seu legado imagético e sua visão da sociedade e da individualidade de cada um perdurariam. Suas imagens apresentando personagens que a sociedade norte-americana do anos 1960 decididamente não queria ver, ou apenas ignorava, ficariam para sempre imortalizadas nas suas fotografias. Ninguém fica imune diante de uma fotografia de Diane Arbus. Nem quem gosta nem quem não gosta.

Seu interesse pela área começou nos anos 1940 ao conhecer a galeria de Alfred Stieglitz e tomar contato com imagens de fotógrafos como Matthew Brady, Paul Strand e Eugene Atget. No pós-guerra iniciou sua carreira como fotógrafa de moda e assistente de seu marido, publicando em revistas como Vogue e Harper’s Baazar. Mas não era esse tipo de fotografia que lhe interessava. Dez anos depois, aluna de Lisette Model (1901-1983), começou a desenvolver seu próprio olhar para a fotografia, tornando visíveis personagens das ruas, das margens da sociedade que não eram bem-vistos ou sequer notados. Dessa maneira, travestis, anões, gigantes, pessoas do circo, hermafroditas, jovens, idosos e bebês começaram a povoar seu portfólio. Foi no final dos anos 1950 que ela explodiu como fotógrafa. É impressionante a força imagética e de comunicação de suas imagens. Fotógrafa humanista, fez das ruas da cidade de Nova York seu estúdio. Seus personagens nos miram de frente, colocados acuradamente em pose pela fotógrafa.

Mas o que realmente nos interessa são os fatos, as histórias que ela quer nos contar por meio de seus retratos. Ela registrava o que as pessoas em geral consideravam não fotografável. Queria mostrar que existia um outro mundo. E não precisava ir longe: achava seus personagens ao lado de sua casa, nas boates de Nova York, nos abrigos para pessoas abandonadas à sua própria sorte, nos parques de diversões, entre as pessoas internadas nos hospitais psiquiátricos. Sem dúvida, porém, o mais marcante são os retratos. Em suas imagens, Diane Arbus não procurava o belo clássico, mas queria retratar a angústia, o desespero, a descrença. Ao mesmo tempo, oferecia a esses “renegados” o poder e a importância da pessoa fotografada. Por meio das suas fotografias procurava entender as diferenças e a tensão que existem entre o que a sociedade espera do indivíduo e o que ele quer ser.

Inaugurada em julho deste ano e em cartaz até o final de novembro, a exposição Diane Arbus: in The Beginning, no Metropolitan de Nova York, apresentou mais de cem fotografias – publicadas em catálogo –, algumas delas inéditas, focando os primeiros sete anos da carreira da fotógrafa, de 1956 a 1962, período no qual desenvolveu sua estética. O curador da mostra e também responsável pelo departamento de fotografia do museu, Jeff Rosenheim, esteve no Brasil em agosto último por ocasião da SP-Arte/Foto e falou sobre a exposição durante o TALKS/Foto: Perspectivas, organizado pela revista ARTE!Brasileiros: “Diane Arbus gostava de criar um diálogo, de ‘conversar’ com quem fotografava. Na realidade, seus personagens não eram tão radicais assim. Ela queria entender as diferenças e como nos tornamos as pessoas que nós queremos ser. Como superamos o que herdamos em termos de gênero, classe, estilo, e nos tornamos a pessoa que nós não nascemos para ser”, comenta. E isso é lindo. Isso é o que a sociologia chama de cultura. Pegar um indivíduo e integrá-lo ou fazer dele um ser social. Cabe ao artista expressar esta individualidade, e foi isso que ela explorou nas suas fotografias. E ela nos ensina a ver como vivemos neste mundo.

Se for verdade que todo retrato é um autorretrato, possivelmente Diane Arbus procurava a si mesma em seus personagens. Mas isso é apenas suposição. Na verdade, o que fica dessas imagens é o que deveria ficar de todas: não importa a fotografia em si, mas sim o que ela nos comunica, o que representa. E, sem dúvida, isso ela consegue. Suas imagens nos fazem pensar. Provocação pura.


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