Uma arte em sintonia com o presente

Fachada Instituto Figueiredo Ferraz / Foto Afonso Lemos
Fachada Instituto Figueiredo Ferraz / Foto Afonso Lemos

As atenções do circuito de arte contemporânea se voltam neste mês de março para Ribeirão Preto, interior de São Paulo, onde o Instituto Figueiredo Ferraz (IFF) dá início a uma nova fase de sua trajetória, ampliando seu espaço e inaugurando um novo ciclo de exposições. No dia 19 de março será aberta a mostra O Estado da Arte, uma leitura do acervo proposta por Maria Alice Milliet, que ficará em cartaz durante todo este ano. No mesmo dia será apresentado ao público o novo anexo da instituição, que amplia o espaço destinado à reserva técnica e torna possível a realização de uma série de exposições de curta duração. A primeira delas será a mostra itinerante Narrativas em Processo – Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural. Também foi organizada pelo IFF uma mostra temporária de trabalhos da artista peruana Sandra Gamarra, com destaque para a instalação Limac, uma das mais recentes aquisições do colecionador João Carlos de Figueiredo Ferraz, que ao longo das últimas três décadas formou um dos mais importantes acervos de arte contemporânea do País. Foi nos anos 1980, em meio ao efervescente crescimento do mercado artístico nacional, que ele iniciou sua coleção. Foi também no começo dessa década que se instalou em Ribeirão Preto, passando a investir no setor de cana-de-açúcar. A cidade, cujo motor econômico é o agronegócio, viveu uma enorme expansão nesse período, mais do que dobrando sua população, que conta hoje com mais de 650 mil habitantes. Tornou-se também um importante polo universitário e um centro médico de grande relevância no País.

No início, Figueiredo Ferraz comprava as obras pensando nas paredes vazias de casa. “Imagino que ninguém tenha logo de início a intenção de virar colecionador”, diz ele, confessando que depois de algum tempo as paredes acabaram e as aquisições continuaram, totalizando hoje cerca de mil obras. O contato com artistas jovens, na maioria de sua geração, alimentou esse interesse e a atração pela produção recente acabou tornando-se o critério central para a incorporação de um trabalho.
A abertura do centro, em 2011, foi uma consequência natural. “Queria tirar as coisas das caixas. Eu mesmo não as via mais”, conta o colecionador, que atualmente se dedica exclusivamente à arte, gerindo o instituto e com uma ativa participação em diferentes instituições de arte, como o MAM, a Bienal e o MASP, das quais é conselheiro. O projeto, que inicialmente tinha um caráter bastante privado, acabou ganhando importância, adquirindo interesse público e tornando-se um dos mais importantes espaços dedicados exclusivamente à arte contemporânea no Brasil. Hoje, cinco anos após a inauguração, o IFF recebe em média 25 mil visitantes, metade deles estudantes, graças a uma parceria estabelecida com as secretarias de Educação do Estado.

Essa ênfase no processo educativo e sobretudo a possibilidade de estabelecer um contato mais íntimo com esse rico acervo são apontadas por Maria Alice Milliet como seus principais estímulos. “Procurei espelhar esse acervo e compreendê-lo”, explica a curadora, que optou por destacar o caráter plural da produção atual, sublinhando algumas características marcantes da coleção (e da produção contemporânea como um todo), como a inexistência de técnicas ou temas predominantes. Encantada com a qualidade das obras e a possibilidade de propor leituras dentro de um conjunto tão vasto, Maria Alice diz ter procurado enfatizar como a diversidade é um traço marcante da produção artística nos dias de hoje. “Mostrei a exuberância de várias mídias convivendo”, afirma. Como exemplo desses contrastes, ela cita a relação que procurou estabelecer entre trabalhos díspares – e ao mesmo tempo tão próximos – como a instalação de luz de Gisela Motta e Leandro Lima, intitulada Relâmpago, e a videoinstalação Para GB, de Lia Chaia (ambas de 2015). Apesar de materiais e procedimentos distintos, as duas tratam da construção poética do espaço a partir de varetas, criando jogos compositivos a partir de muito pouco.

Segundo ela, a opção foi criar um circuito fluido, que ao mesmo tempo servisse para embasar o projeto didático. “É importante formar uma geração que aprenda a visitar museus”, diz a curadora, convidada a realizar a exposição deste ano exatamente por agregar uma larga experiência no campo museológico (ela dirigiu, entre outras instituições, a Pinacoteca do Estado, o MAM e a Fundação Nemirovsky) a um profundo conhecimento de história da arte. A cada ano Figueiredo Ferraz convida um curador diferente para trabalhar o acervo, de forma a ampliar ao máximo as possibilidades de leitura e diálogo. Já passaram por essa experiência nomes como Agnaldo Farias, Cauê Alves e Rejane Cintrão, que também é coordenadora do IFF. O grau de envolvimento de Figueiredo Ferraz varia de caso para caso. “Me interessa a visão deles, é muito estimulante essa oportunidade”, diz ele, acrescentando que vai se surpreendendo à medida que a montagem é feita. No caso do projeto de Maria Alice, dois fios condutores tênues foram criados para organizar a mostra, estabelecendo uma organização visual, plástica: no primeiro andar há a presença da linha como fio condutor e no segundo andar nota-se a predominância da cor, como elo de conexão entre as obras. Outro elemento importante sublinhado pela curadora é a predominância de certos artistas na coleção, como Waltercio Caldas, Iole de Freitas, Nuno Ramos, Paulo Pasta e Dudi Maia Rosa, que estarão representados de forma mais intensa em sua seleção. Nesses casos fica a possibilidade de compreender melhor o percurso do artista, uma oportunidade bastante rara dada a dispersão dos trabalhos em diferentes coleções. “Sempre me bati muito por isso nos museus em que trabalhei. Uma obra só não faz verão”, afirma.


Curta duração

A abertura do novo anexo, além de melhorar a gestão do acervo e as condições de preservação das obras, dá ao IFF um maior dinamismo, ao viabilizar a realização de mostras paralelas em diálogo com o núcleo central de atividades. Narrativas em Processo, exposição organizada por Felipe Scovino à convite do Itaú Cultural, mergulha na relação intensa e diversificada entre os artistas e o livro. Optando por uma noção ampla de livro de artista – que inclui também trabalhos gráficos e de ilustração e não apenas as ações em que o livro é suporte de uma ação artística –, a mostra contempla 150 anos de produção. Tem como ponto inicial títulos ilustrados no século XIX por Ângelo Agostini, mas também mapeia importantes ações de design gráfico do século XX e reúne alguns dos mais importantes trabalhos de livros de artista, como Balada, de Nuno Ramos, e O Livro de Velázquez, de Waltercio Caldas, agregando assim novas leituras de arte contemporânea à mostra central e criando a possibilidade de ver a relação entre arte e livro de forma ampla e generosa.

Serviço: O Estado da Arte / Narrativas em Processo
A partir de 19 de março
Instituto Figueiredo Ferraz
Rua Maestro Ignácio Stábile, 200, Ribeirão Preto – São Paulo
iff.art.br

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