O brilho dos anos 50

Quando em 2008 o curador norte-americano Robert Storr declarou que a Bienal de São Paulo é a exposição do gênero mais importante do mundo, ele não deixou dúvida de que conhece muito bem a história do mais duradouro e reconhecido evento cultural brasileiro de todos os tempos.

A saga da Bienal começa no final dos anos 1940, quando a capital paulista já despontava como grande metrópole. Havia um descompasso entre o impulso industrial e as atividades culturais que, depois da Semana de Arte Moderna de 22, praticamente inexistiram. Com a criação do Museu de Arte Moderna, em 1948, o primeiro museu do gênero na América Latina, presidido pelo industrial Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccilo, São Paulo entra em nova euforia artística. Logo no primeiro momento, sua sede na Rua Sete de Abril, torna-se ponto de encontro de artistas e intelectuais e, com apenas três anos de atividades, cria dentro de sua programação a Bienal de São Paulo.
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O Brasil apostava na mais ousada manifestação cultural já sonhada nos trópicos, que, de dois em dois anos, colocaria o País no mapa dos grandes eventos culturais. Inspirada na mais antiga exposição do gênero, a Bienal de Veneza (1895), a Bienal de São Paulo foi montada às pressas, aproveitando parte do Trianon, local elegante localizado na Avenida Paulista e onde dançava a alta sociedade. Até mesmo o duque de Windsor, ex-rei da Inglaterra, ensaiou ali alguns passos em um baile de gala.

O MAM não tinha espaço suficiente para uma mostra dessa magnitude e, a toque de caixa, os arquitetos Luís Saia e Eduardo Kneese botaram em pé um pavilhão branco e de formas modernas. A primeira edição da Bienal de São Paulo abriu as portas em 1951 para receber 1.800 obras enviadas por 20 países. O público enfrentava a barreira do desconhecimento da arte moderna e, meio atônito, tentava compreender as ousadas propostas de Pablo Picasso, Fernand Léger, René Magritte, Jackson Pollock, Roger Chastel, Alberto Giacometti, entre os estrangeiros; e Emiliano Di Cavalcanti, Cândido Portinari, Lasar Segall, Bruno Giorgi, Victor Brecheret, entre os brasileiros. O grande prêmio da edição inaugural coube a Max Bill, com a escultura Unidade Tripartida.

Reverenciada como “a exposição da década”, a II Bienal assumiu proporções gigantescas e exigiu um espaço à altura. Assim, deixou o Trianon e se transferiu para o Parque do Ibirapuera, ainda em construção. Dois prédios modernos com fachada de vidro, área quase sete vezes maior que a primeira, receberam a mais importante edição da mostra paulistana. Em São Paulo já chovia muito naquela época, e sob um forte aguaceiro Guernica e mais 75 obras de Pablo Picasso chegaram em um caminhão, dentro de cilindros cobertos por uma lona. O mestre cubista não veio, mas à distância supervisionou sua retrospectiva coordenada pelo crítico francês Maurice Janot. A II Bienal ainda exibiu obras de Braque, Delaunay, dos futuristas Umberto Boccioni, Carlos Carrà e montou uma sala especial de Mondrian, com 20 telas, abrangendo mais de 30 anos de arte e corrigiu um equívoco da representação holandesa da I Bienal, que excluiu artistas de vanguarda.

A segunda edição foi inaugurada em dezembro de 1953 dentro do complexo do Parque do Ibirapuera, onde hoje funciona o Museu Afro-Brasileiro, e estendeu-se até fevereiro de 1954, justamente para integrar-se aos festejos do IV Centenário de São Paulo, presididos por Ciccilo Matarazzo. Foi o evento que praticamente colocou o Brasil em contato com a Bauhaus, a famosa escola alemã e se transformou na edição mais importante já realizada.

Bem que a III Bienal tentou manter o nível da segunda, mas era praticamente impossível. Trouxe a arte de Fernand Léger, que recebeu o Grande Prêmio, de Alfred Kubin, Jacob Steinhardt; e dos brasileiros Milton Dacosta, Aldemir Martins, Maria Martins, todos premiados.

A IV Bienal, de 1957, expôs os drippings de Jackson Pollock, um ano após a morte do artista, além de dedicar salas especiais a surrealistas históricos como René Magritte, Paul Delvaux e Marc Chagall; e a V Bienal, de 1959, exibiu com grande alarde de crítica e público uma retrospectiva com 30 telas de Vincent van Gogh, que na época eram avaliadas em cinco mil dólares cada uma. Do Brasil, foram destacados e premiados, entre outros, Frans Krajcberg, Fernando Lemos, Fayga Ostrower e Franz Weissmann. Toda essa efervescência da Bienal de São Paulo nos anos 1950 deve-se não só à competência de Ciccilo Matarazzo e seus assessores, como também ao clima econômico-financeiro e cultural planetário do pós-guerra, com os museus no vermelho e o mercado de arte totalmente quebrado.


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