O Instituto Tomie Ohtake realizou recentemente a exposição Os Muitos e o Um, abrangendo um rico panorama da arte brasileira contemporânea. As obras, que ocuparam todo o espaço expositivo do instituto, pertencem à coleção Andrea e José Olympio Pereira, uma das mais importantes do País, senão a mais, voltada à arte contemporânea. O casal começou a colecionar antes mesmo do casamento, pois os dois costumavam se presentear com obras de arte.
Para realizar a primeira mostra abrangente de sua coleção, convidaram o curador Robert Storr, um dos personagens mais influentes do mundo das artes, realizador de importantes mostras para o MoMA de Nova York (entre 1990 e 2002) e colaborador das revistas Art in America e Arforum, entre outras. Storr estabeleceu parceria com Paulo Miyada, curador do Instituto Tomie Ohtake, que contribuiu na escolha e no agenciamento das obras no espaço.
O olhar de Storr demonstra sutileza de percepção, acuidade. A seleção das obras se deu livre das amarras de tendências e da historicidade. Sua escolha privilegiou a força expressiva de cada obra e reuniu o que havia de melhor na coleção. Mas ao agrupá-las no espaço expositivo o curador estabeleceu leituras de conjunto e, desse modo, mostrou haver semelhanças entre os desiguais, apesar das diferenças de linguagens e dos distintos percursos perseguidos por cada artista, com o intuito de provocar novas leituras advindas das relações entre elas. Desse modo, as expressões fluem e se enriquecem vis-à-vis às demais.
Muitas das obras, reunidas num mesmo espaço, estabeleceram situações de conflito pelas divergências entre elas, mas também nos surpreenderam pelas suas afinidades. Assim, ao serem confrontadas, provocaram releituras que adensam percepções e significados. Apesar das diferenças de linguagens, a curadoria parece nos mostrar que o fluxo dessas expressões contém aspectos convergentes, com ideias e procedimentos extraídos das águas de um mesmo e caudaloso rio.
No piso superior, Storr e Miyada concentraram as expressões contemporâneas. Na primeira sala destacava-se Waltercio Caldas – é impressionante ver agrupadas obras tão relevantes do artista –, com trabalhos bem expostos que dialogam com obras de outras lavras: Iran do Espírito Santo, Tunga (1952-2016), Jac Leirner, José Resende e Cildo Meirelles, entre outros. Ainda nessa sala, num espaço contíguo, o trabalho de Anna Maria Maiolino se impunha com inquietante vitalidade.
Na segunda sala, os curadores agruparam predominantemente as expressões de pintura na contemporaneidade, com artistas que se firmaram entre os anos 1980 e 1990, como Beatriz Milhazes, Adriana Varejão, Paulo Monteiro e Paulo Pasta, mas também com pintores da nova geração, como Tatiana Blass e Rafael Carneiro. O conjunto exposto afirma que a pintura segue vigorosa na arte brasileira.
Na terceira sala, havia a presença da fotografia com nomes pioneiros, como Marcel Gautherot, (1910-1996) ou renovadores, como Geraldo de Barros (1923-1998), e os contemporâneos, como Claudia Andujar, Luiz Braga e Sebastião Salgado. Mas as expressões plásticas que se valem da fotografia dominavam o espaço expositivo. Entre elas, obras de Miguel Rio Branco, Albano Afonso, Rosângela Rennó e Lia Chaia. O conjunto evidencia que, ao se utilizar do suporte fotográfico, o artista plástico rompeu com as fronteiras entre essas duas expressões e abriu novas possibilidades para a fotografia propriamente dita.
No espaço térreo os curadores situaram o núcleo histórico de artistas, criadores de expressões e de propostas que ainda provocam a contemporaneidade, principalmente aqueles de tendências construtivas e experimentais, como Ivan Serpa (1923-1976), Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927-2004), Willys de Castro (1926-1988), Hélio Oiticica (1937-1980) e Mira Schendel (1919-1988). Nesse núcleo havia um expressivo conjunto de pinturas de Alfredo Volpi (1896-1988).
Storr e Miyada reuniram no térreo um conjunto de grande lirismo. Agruparam numa pequena sala artistas de diversas gerações e de diferentes linguagens. A bela obra de Carmela Gross, Projeto Para a Construção de Um Céu, produzida em 1980, convive com trabalhos recentes de André Komatsu, Daniel Steegman e Rivane Neuenschwander, com suas Cartas Famintas devoradas pela voracidade das lesmas.
A exposição Os Muitos e o Um mostrou a diversidade e a qualidade da expressão plástica da arte brasileira contemporânea. Mostrou também o olhar arguto do casal Andrea e José Olympio Pereira, que durante anos reuniu o que há de melhor na expressão artística dos nossos dias. Nenhum museu ou instituição pública possui algo comparável.
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