O paradigma Portinari

Exemplo do quanto a ciência e a tecnologia podem estar a serviço das artes visuais, o Projeto Portinari foi fundado em 1979 e ainda é conduzido por seu idealizador, o filho único do pintor, João Candido Portinari, que abandonou a carreira de matemático e o status de doutor em Engenharia de Telecomunicações pelo MIT (o célebre centro de tecnologia baseado em Boston, nos EUA) para cercar de cuidados a extensa obra e a memória do pai.

Nessas mais de três décadas, adotando recursos descobertos e desenvolvidos ao redor do mundo, João Candido conquistou grandes metas, como a publicação de um catálogo raisonée em 2004 (um marco para as artes visuais brasileiras, pois é a única obra dessa natureza entre todos os países do Hemisfério Sul) e a recente exposição dos painéis Guerra e Paz, no Rio de Janeiro e em São Paulo, que foram submetidos a um complexo processo de restauro.

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Com o entusiasmo de um engenheiro e a precisão de um matemático, João Candido falou à ARTE!Brasileiros sobre as importantes pesquisas do Projeto Portinari.

As primeiras pessoas que se mobilizaram para viabilizar o projeto eram personalidades destacadas da área de ciência e tecnologia: Aristides Pacheco Leão (presidente da Academia Brasileira de Ciências), Isaac Kerstenetzky (presidente do IBGE), Antonio César Olinto (diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), Lindolpho Carvalho Dias (diretor do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada – IMPA), José Pelúcio Ferreira (presidente da FINEP), Mário Brockmann Machado (diretor da FINEP), Amílcar Ferrari (diretor do CNPq), entre outras. Creio que esse fato foi determinante para explicar nossa longa sobrevida com relação aos projetos congêneres. Vale recordar que temos a mesma idade que a indústria dos microcomputadores. Outro exemplo de como esse ‘DNA’ científico e tecnológico do Projeto Portinari era uma de suas características mais marcantes: o primeiro número da Revista da IBM, house organ da multinacional no Brasil, teve como matéria de capa, em agosto de 1979, um artigo que escrevi com o título Projeto Portinari: Ciência e Tecnologia Promovem Arte.

Lembro-me bem dos muitos encontros que tive com Jean-Paul Jacob, cientista-chefe do recém-criado Centro Científico da IBM, em Brasília. Nos preocupava o destino dos slides coloridos que registravam imagens das obras que íamos levantando, percorrendo todo o território brasileiro, e mais de 20 países das três Américas, da Europa e do Oriente. Era o único registro da obra completa de Portinari e, naqueles primeiros anos da década de 1980, visitei pessoalmente os principais centros de pesquisa fotográfica dos EUA: o Rochester Institute of Technology, a Eastman-Kodak House, também em Rochester, a Polaroid (Boston), em busca de uma solução para o angustiante risco de perder os slides e constatei que ainda não havia uma solução. Pensei então em digitalizar os slides com a maior resolução possível e armazenar os arquivos resultantes em mídias de grande permanência. Jean-Paul e eu chegamos à conclusão de que seria necessário amostrar cerca de 100 pontos por milímetro. Para um slide de dimensões 6 x 6 cm (a maioria do nosso acervo), isso significava amostrar 36 milhões de pontos. Acrescentando a informação cromática (cada ponto representava 3 bytes, o conhecido RGB), estávamos falando em um arquivo de mais de 100 megabytes. Não havia nenhum scanner com tal resolução, nem mídia capaz de armazenar 5 mil arquivos deste tamanho. Nossa primeira experiência de digitalização de slides teve de contar com um scanner da IBM da Venezuela, pois aqui ainda não havia um.

Em 1993, um grupo de pesquisadores da PUC-RJ, foi convidado para apresentar um trabalho em um congresso internacional em Cambridge, Inglaterra. Tratava-se do International Conference for Hypermedia and Interactivity in Museums – ICHIM, e o título do trabalho era The Portinari Project : Science and Art Team up Together to Help Cultural Projects (algo como, O Projeto Portinari: Ciência e Arte se Unem para Ajudar Projetos Culturais). Nesse trabalho, divulgamos pela primeira vez o Projeto Pincelada, que nasceu motivado pela necessidade de buscarmos uma metodologia objetiva que enfrentasse o problema representado pelos falsários. Até então, a atribuição de autoria de obras de arte seguia duas vertentes principais: o “olho do perito”, essencialmente subjetiva, e as técnicas físico-químicas de análise de pigmentos e suportes, também sujeita a falhas. Formulamos uma hipótese, que se verificou original perante a audiência de especialistas do ICHIM, de que uma amostra representativa de pinceladas extraídas de obras autênticas possuiria um invariante que caracterizaria o autor. Essa ideia nasceu de conversas que mantive com o meu colega George Svetlichny, do Departamento de Matemática da PUC-Rio. Obtivemos um método para transformar cada pincelada em um perfil unidimensional, e pleiteamos junto à NASA o uso de um software recém-criado para a classificação automática de objetos. Mais recentemente, o professor Arne Jensen, do Departamento de Matemática da Universidade de Aalborg, Dinamarca, passou a colaborar com o Projeto Portinari, na busca da comprovação de nossa hipótese inicial. Em 26 de novembro de 2009, tivemos a alegria de receber sua mensagem: ‘… Nosso estudante de doutorado programou o algoritmo em Matlab, e os resultados são espantosos. Baseado em 8 scans autênticos e alguns falsos, os autênticos se distinguem claramente das falsificações. Assim, a hipótese de que as pinceladas caracterizam o pintor está confirmada…’

MAIS

Leia abaixo especial sobre os murais, publicado na edição de junho do ano passado
Monumental Portinari

 


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