O patrono entra em cena

Obra de Lucas Arruda, sem título (2011), que foi doada para a Pinacoteca
Obra de Lucas Arruda, sem título (2011), que foi doada para a Pinacoteca

Em maio de 2012, quando celebrou seu aniversário de 50 anos, o banqueiro e colecionador José Olympio Pereira incluiu no convite um pedido inesperado: para que, ao invés de presentes pessoais, os convidados fizessem doações financeiras para o MAM – Museu de Arte Moderna ou para a Pinacoteca do Estado de São Paulo, museus de cujos conselhos ele participava. “Tem gente que comemora e pede doações para instituições de caridade. Meu foco, meu interesse, é na construção dos museus brasileiros, então fiz diferente”, explica ele. “E quis criar um precedente, para ver se a moda pega.” A iniciativa foi bem-sucedida, e com os recursos foram compradas diversas obras de arte contemporânea para o acervo das instituições (como o quadro de Lucas Arruda, acima). Se a história de José Olympio – um dos maiores investidores das artes plásticas no Brasil – é bastante atípica no País, ela ao menos ilustra um panorama que, aos poucos, começa a mudar por aqui. Antes raras, iniciativas pessoais de doações financeiras para museus passam a ser mais comuns, ganham maior importância na vida de instituições e recebem, inclusive, maior incentivo governamental. “Comparado aos EUA e a Europa, estamos engatinhando, mas vejo nos últimos anos uma maior disposição das pessoas, e muitas coisas legais acontecendo”, diz Olympio.

O colecionador cita como exemplo a criação, em 2012, do Patronos da Arte Contemporânea da Pinacoteca, grupo que em pouco tempo se tornou um dos mais relevantes desse tipo no País. Composto por convidados do museu – dispostos a doar um valor anual de R$ 12 mil –, o grupo teve adesão de 40 patronos no primeiro ano, número que subiu para 64, em 2013. A expectativa, segundo o diretor de relações institucionais da Pinacoteca, Paulo Vicelli, é chegar a cem membros este ano, o que resultaria em uma verba total de R$ 1,2 milhão. O valor arrecadado é investido integralmente, ao final de cada ano, em obras de arte contemporânea para o acervo da Pinacoteca, em um processo de escolha com a participação dos patronos. Nos últimos anos, por exemplo, foram adquiridas obras de José Damasceno, Sara Ramo, Delson Uchôa, João Musa e Ana Maria Tavares, entre outros.

Vale ressaltar, de saída, que ser patrono, sócio, colaborador ou amigo dos museus (cada um se utiliza de uma definição diferente) não é algo possível apenas para os mais abastados financeiramente, já que os valores de doação por vezes começam em R$ 50 anuais. E se o caso do grupo da Pinacoteca é notável pelo alto montante que alcança, ele é apenas um de vários sistemas de patronato que estão surgindo ou crescendo no País. De fato, trata-se de algo ainda tímido, quando comparado a países como os EUA, onde, ao contrário do Brasil, os grandes mantenedores dos museus são os patronos “pessoa física”, e não corporações ou governos. A projeção dos museus americanos é tamanha que, somente o MoMA, de Nova York, tem mais de 750 apoiadores brasileiros, incluindo todas as categorias de colaboração. “Nos EUA e Europa, as grandes instituições conseguiram formas de arregimentar recursos do Brasil, convidando nossos mi e bilionários a participarem de conselhos. Isso dá status aqui”, afirma Paulo Herkenhoff, diretor do Museu de Arte do Rio – MAR.

Detalhe de obra de André Komatsu, de 2013, adquirida pelo Patronos da Pinacoteca
Detalhe de obra de André Komatsu, de 2013, comprada pela Pinacoteca com verba doada pelos patronos da instituição

APROXIMAÇÃO COM A SOCIEDADE – Para além do contraste entre Brasil e outros países, Herkenhoff diz ver também diferenças internas na vontade das pessoas para apoiarem os museus. São Paulo, segundo ele, conseguiu transformar a participação ativa na vida dos museus em um valor no sistema social, diferentemente do que se vê no Rio. Mas, de modo geral, a disposição é crescente no País, “inclusive nas cidades do interior”, afirma. Nesse sentido, o presidente do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), Angelo Oswaldo, ressalta que a própria projeção do museu na vida brasileira é novidade. “Claro que estamos apenas começando, mas, do mesmo modo, uma política de museus efetiva no Brasil é também algo recente”, diz ele. E, nesse contexto geral, o fortalecimento das associações de doadores começa a cumprir também a função de aproximar instituições e sociedade, construindo lentamente um novo panorama na vida cultural brasileira. “A moderna gestão de um museu necessita dessas parcerias cidadãs com a sociedade civil. Elas trazem as pessoas para uma colaboração mais efetiva com a manutenção das instituições e com a ampliação dos acervos”, afirma Angelo Oswaldo.

O presidente do IBRAM, autarquia vinculada ao Ministério da Cultura, cita como exemplos de instituições que já apresentam ligação forte com seus apoiadores: o Museu Histórico Nacional, do Rio de Janeiro, e o Museu Lasar Segall, de São Paulo. Neste último, por exemplo – além das categorias de doação –, é organizado há 17 anos o chamado Leilão de Pratos, que arrecada fundos para o museu a partir da venda de obras feitas (e cedidas de graça) em pratos de cerâmica, por artistas plásticos. “O interesse em colaborar tem aumentado, de modo geral. E acho que a profissionalização da área museológica tem ajudado nisso”, diz Marcelo Monzani, chefe da Divisão Técnica do Museu Lasar Segall. Na mesma linha, vai a coordenadora do MAM, Roberta Alves: “A grande maioria das instituições está indo por esse caminho, de criar associações de amigos e outros meios de doação”. Segundo ela, o MAM possui, hoje, aproximadamente 800 sócios (como são chamados seus apoiadores), sendo 67 na categoria “patronos”, a de doações mais altas, de R$ 8.400 anuais.

Mas não são apenas instituições mais antigas que mostram que a “moda” pode estar pegando. No MAR, por exemplo, em um ano e meio de funcionamento já são cem apoiadores de diferentes lugares do País, entre doadores de recursos ou de obras. A importância desses colaboradores é tamanha que, segundo Herkenhoff, eles acabam definindo os caminhos do acervo do museu, o que faz dele uma instituição bastante dinâmica. Outro caso recente, mais específico por não ser um museu, é o do Pivô, uma associação cultural paulistana que realiza projetos artísticos e exposições. A instituição criou categorias de patronato que vão de R$ 60 a R$ 10 mil, e já conseguiu cerca de 20 apoiadores.

Do lado do governo, os patronos também se tornaram pauta no Decreto de Museus do IBRAM, aprovado em novembro de 2013. Com uma passagem específica do texto voltada às chamadas associações de amigos, o órgão busca estimular a criação desses e de outros grupos de doadores e parceiros. “O que importa é que haja um mecanismo de participação da sociedade, um instrumento cidadão de fortalecimento dos museus. Acabamos de recomendar aos 30 museus diretamente ligados ao IBRAM que, aqueles que ainda não têm, providenciem a criação de uma associação de amigos, buscando as pessoas que mais se identificam com o museu, que já têm um relacionamento ou vínculo afetivo e cultural com a instituição”, diz Angelo Oswaldo.

Obra de Odires Mlászho doada pela Fundação edson Queiróz ao Masp
Obra de Odires Mlászho comprada pela Fundação Edson Queiroz na última SP-Arte, e doada para o Masp

CRIAÇÃO DE UMA CULTURA – O que fica claro nas conversas com os representantes dos museus – e também com Angelo Oswaldo ou José Olympio –, ouvidos pela ARTE!Brasileiros, é que, nesse momento, a preocupação maior é criar uma cultura de colaboração, mais do que arrecadar grandes valores. Desse modo, mesmo que ofereçam recompensas para os seus patronos, como entrada gratuita, visitas guiadas, convites para aberturas ou catálogos especiais, as instituições parecem dedicadas a mostrar que as doações não são um instrumento de compra de serviços, mas uma ação de apoio a uma instituição. “Tem o caso de um amigo da Pinacoteca que decidiu não doar mais porque achava que os benefícios não eram tão atraentes”, conta Vicelli. “Acho que é preciso desapegar um pouco dessa coisa de benefícios.” Para ele, uma pessoa se propõe a doar ao reconhecer a importância de um espaço cultural para a cidade e, assim, para que ele se sustente e mantenha a qualidade da programação, dos serviços educativos, das instalações, etc. “Num sentimento de civilidade mesmo, de comprometimento com as causas culturais. Ou, então, vira um comércio, e a questão na verdade não é essa”, diz.

Mas o próprio Vicelli, e também Roberta Alves, do MAM, Marcelo Monzani, do Lasar Segall, e Sandra Oksman, do Pivô, afirmam já perceber entre boa parte dos apoiadores esse tipo de disposição colaborativa. Ou seja, uma decisão de contribuir com a causa sem buscar benefícios concretos em troca. “E, claro, não acho que o museu tem de excluir todas as contrapartidas. Tudo que a gente puder fazer para reconhecer, agradecer, nós faremos. Pois a ideia é também valorizar essas pessoas, já que são pioneiras nesse sentido”, diz Vicelli.

Mas se na busca pelos benefícios concretos não há nada de ilegítimo, a questão é mais delicada quando as relações de patronato se misturam a interesses particulares de investidores, colecionadores ou comerciantes, que tentam valorizar obras ou artistas com os quais tem relações. Nesse ponto, mecanismos de controle e o próprio amadurecimento dos sistemas de doações poderão dar os rumos para uma relação clara e que parta realmente da ideia de “civilidade”. Sempre tendo claro, também, que o interesse por visibilidade de um patrono não deve ser confundido com a defesa de interesses escusos. “O museu pode dar certa projeção social, um prestígio. Na Europa e nos EUA é assim, uma pessoa que assume um patronato acaba tendo reconhecimento. Para um grande colecionador, que é também um homem de negócios, é muito interessante na relação com outros colecionadores e com empresários. Então, o que temos de fazer é criar também esse mesmo ambiente no Brasil”, conclui Oswaldo. Se isso realmente ocorrer, talvez os 750 apoiadores do MoMA passem a preferir apoiar os museus de seu próprio País.

Patronos podem jogar com interesses privados em instituições públicas

Por Fabio Cypriano

Quando o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, nos anos 1990, enfrentava uma crise de imagem, por conta de supostas relações com narcotraficantes, uma famosa relações-públicas sugeriu a ele que fizesse parte no grupo de Patronos do Theatro Municipal, para ficar em contato com a elite local, e depois entrasse para a Fundação Bienal de São Paulo, para tornar-se uma figura pública. Seguindo à risca o conselho, em dez anos Cid Ferreira tornou-se um dos principais nomes das artes visuais no Brasil, tendo organizado dezenas de exposições, não só no País, mas em cidades-chave como Veneza, Nova York, Londres e Paris. No entanto, após sua derradeira falência, em 2005, todo esse mecenato não deixou patrimônio.

O que restou, sua coleção pessoal de quase duas mil obras, foi entregue a museus, graças a um juiz com boa vontade. De certo modo, e felizmente, Cid Ferreira é um dos últimos casos em São Paulo de um mecenas individual, que cria e descria segundo sua própria vontade, como fez Ciccillo Matarazzo com o Museu de Arte Moderna de São Paulo. Como se sabe, o conde Matarazzo criou o MAM, em 1948, e 15 anos depois, em 1963, entregou toda sua coleção à USP, levando o museu a precisar se reconstruir do zero.

Nos últimos anos, contudo, novas formas de mecenato vêm se fortalecendo no País, não mais como protagonistas, mas como coadjuvantes importantes de instituições museológicas. Patronos são figuras fundamentais no auxílio aos museus, especialmente no atual contexto, quando há pouca verba para aquisição e obras importantes de artistas brasileiros não estão chegando mais à coleções públicas.

Essa nova forma de patronato tem se espelhado nos Estados Unidos, que conta com tradição de museus que se sustentam com apoios particulares. Um bom exemplo é o MoMA, de Nova York, onde o curador de arte latino-americano é financiado por uma colecionadora particular.

Essas relações, contudo, precisam sempre transparência total já que, como colecionadores, muitas vezes, esses patronos defendem artistas que estão em suas coleções, jogando com o interesse privado em instituições públicas. Se realizados com supervisão das direções dos museus e dentro das orientações de seus curadores, esses patronos exercem uma importante função de cidadania cultural, que pode melhorar de forma definitiva a cena artística.


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