A Bienal de 2010 promete algo há muito esperado: uma potente discussão sobre a incontornável relação entre arte e política. Sobretudo depois da experiência ousada e fracassada da Bienal anterior, a famigerada “Bienal do Vazio” – na qual a proposição francamente política da curadoria se esvaziou perante suas atitudes questionáveis, de debates vazios, de festas sobre o nada, resultando na imagem de uma cidade devastada (uma “Detroit”, segundo Luiz Renato Martins), ou de mera “Bienal Diet” (segundo Paulo Sérgio Duarte) -, é de política mesmo que se espera tratar agora.
O que se deseja hoje, realmente, é que a nova Bienal retome o que a anterior não arriscou: uma reflexão consistente sobre o lugar da arte na nova configuração mundial e, ao mesmo tempo, sobre a própria instituição Fundação Bienal, esse glorioso resquício do desenvolvimentismo, que há muito frequenta mais as páginas policiais que as culturais. Salvo engano, foi justamente esse desejo, e essa urgência, que motivou os curadores atuais, Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias (ambos brilhantes pensadores da arte contemporânea brasileira), a elaborar a proposta.
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Mas “política” pode significar muita coisa. Pode ser a prática da “polis”, pode ser a relação institucional própria ao campo artístico, pode ser a relação com o Estado ou com o capital. O que os curadores entenderão sobre o conceito só poderá ser avaliado a partir das obras escolhidas e da maneira com que elas se relacionarão ou não entre si e com a proposta geral. Seja como for, essas escolhas serão duras e politicamente questionadas.
Um desses questionamentos, certamente, virá em função da escolha de um número enorme de artistas nacionais. Dos cerca de 150 artistas anunciados, 50 deles são brasileiros. O que isso significa politicamente? Uma supervalorização da arte brasileira (para gosto dos colecionadores)? Uma demonstração de que aqui, no campo da produção artística, o vazio foi um engano? Um surto neonacionalista, que acompanha o otimismo do acordo político que sustenta o “lulismo” e a crença, tanto interna quanto externa, de que o Brasil é o país do futuro? O palco do Ibirapuera será o lugar dessas e de outras questões.
O que se pode apreender das escolhas anunciadas é que elas são rigorosas do ponto de vista da qualidade artística. Corretas, talvez até demais. Basicamente, não há surpresas ou apostas surpreendentes.
Oiticica está lá, novamente. Espero que dessa vez apresentado a partir daquilo que ele realmente foi: um dos pensadores mais importantes da política das artes (e não meramente um artista que “antecipou” procedimentos da arte contemporânea). Estão lá também os “Antônios” (Dias e Manuel), Flavio de Carvalho, Paulo Bruscky (espero que dessa vez seja mostrado o seu trabalho mais radical e não apenas o seu peculiar e delicioso ateliê), Artur Barrio, Cildo Meireles, Lygia Pape (que merece disputar com a outra Lygia mais famosa seu lugar nos desdobramentos radicais do neoconcretismo), Amélia Toledo, Nelson Leirner.
Jovens e brilhantes artistas já estabelecidos também serão expostos à nova política da Bienal: Tatiana Blass, Matheus Rocha Pitta, Graziela Kunsh (que têm desenvolvido uma consequente reflexão sobre a arte e a cidade e a inter-relação entre coletivos de artistas), além de Sara Ramo, Cinthia Marcelle e Marilá Dardot, que já expuseram juntas na Galeria Vermelho, em São Paulo.
Mas, certamente, a aposta mais ousada é a que envolve a participação do coletivo Pixação, talvez como um acerto de contas com os problemas da Bienal passada. Não só por isso, é a mais “política” (ou seja, a mais tensa) das apostas dos curadores, uma vez que trazer o “pixo” para a Bienal pode ter significações incontroláveis. A ira reacionária, por exemplo. Recentemente, a revista Veja anunciou que a “Bienal abre as portas para o vandalismo que pretende ser arte”. É de política bruta que eles estão falando.
Francisco Alambert
Professor de História Social da Arte do Departamento de História da USP. Escreveu, com Polyana Canhête, Bienais de São Paulo: da Era do Museu à Era dos Curadores (Editora Boitempo).
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