O Tampo, o Tempo e o Nada – Os Sudários de Daniel Senise

Quando um artista chega à maturidade? Esta não é uma boa questão. Indagação sem sentido. Em arte é perda de tempo. Se bem que há tentativas de respostas. Por exemplo, para um escritor é quando ele publica, dizem, o “romance da sua geração”, que pairava no ar pronto para ser “colhido”. Vendo a exposição Quase Aqui na Galeria Vermelho, em São Paulo, até 12 de novembro, dá vontade de fazer a má pergunta acima.

O Aurélio define maturidade como “perfeição, excelência, primor” ou, na acepção seguinte, “circunspecção, siso, prudência”. Diante do quadro Quase Aqui I, ambas as definições parecem fazer sentido, ou quase, para entrar no espírito da coisa. Senise pegou o tampo de uma de suas mesas de trabalho e pintou sobre ele um imaculado retângulo branco. Só isso. Para não deixar a marca da sua pincelada, usou um compressor. Ele não queria interferência no âmago do quadro. Alcançar a “nadificação” sartriana – talvez esse fosse seu objetivo. Para o filósofo francês, sem a consciência do Nada é impossível a Existência. Vale dizer: sem a “nadificação” (eliminando preconceitos herdados) o homem não é livre para criar sua Essência.
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Somente em volta do retângulo branco de Senise há narrativa e história. Nas largas bordas do tampo se vê marcas do tempo e das técnicas aprimoradas por mais de 20 anos. No chão do ateliê ou em mesas de madeira, ele aplica cola, laca, betume, óxido de ferro e depois cobre com tela. O resultado é uma gravação no tecido de vestígios desses materiais. Ele então recorta a tela e faz colagens que criam paisagens únicas, que pode ter elementos arquitetônicos ou religiosos que remetem à história da pintura. Ele as chama de Sudário ou Reino.

A “nadificação” aparece em outro trabalho emblemático de Senise. Neste ano ele expôs lençóis brancos na Casa França-Brasil, no Rio. Para ele, os lençóis são pinturas, pois também tratam do problema da representação. Senise havia comprado centenas de lençóis brancos e doado metade ao Hospital do Câncer e metade a um motel. Passado um tempo, pediu alguns lençóis usados. Exibiu-os como quadros na parede do corredor de entrada. De um lado os lençóis que vieram do hospital e do outro os lençóis que vieram do motel. Morte e vida se olhando, em telas opostas que cobriam todo o espaço.

Apesar do rigor estético de sua produção minimalista recente, Daniel Senise não teme expor aspectos de sua vida pessoal. Neste ano, por exemplo, produziu colagens sobre alumínio reticulares. Seria um desenho geométrico perfeito, com a ilusão de profundidade de campo, se um olhar mais atento não revelasse quebras na estrutura, como se o olho de repente falhasse. O artista estava tentando reproduzir as perturbações visuais que as crises de enxaqueca lhe acarretam. Aliás, foram essas enxaquecas uma das razões para ele abandonar a tinta de vez…

Nos anos 1980, como outros de sua geração, Daniel Senise praticava pinceladas expressionistas. Sua pintura era sensorial. Logo os limites do suporte tradicional não o contiveram mais. Passou a integrar elementos do mundo ao seu redor. De sensorial seu trabalho passou a ser cada vez mais conceitual. Sim, Daniel Senise está quase chegando à maturidade. Só falta, diante do Nada, recomeçar como quiser. Mas sem pressa, afinal, como diz o título de sua participação na Bienal de São Paulo de 2010, “O sol me ensinou que a história não é tão importante”.

Galeria Vermelho
Rua Minas Gerais, 350 – São Paulo, SP
Até 12 de novembro de 2011
De terça a sexta, das 10 às 19h; sábados, das 11 às 17h


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