Em pouco mais de uma hora de conversa – para falar sobre o livro Águas Emendadas –, o artista Rubens Matuck faz uma série de afirmações na mesma linha: “Não distingo ilustração de artes plásticas”; “A divisão entre cultura material e imaterial, para mim, é da Igreja”; “Textos e imagens estão juntos nos meus registros”; “Não separo livro infantil de livro adulto”. Ou ainda: “Já desencanei dessa coisa de linguagem faz tempo. Está tudo junto”. Para Matuck, pintura, gravura, aquarela, escultura e texto não são campos separados do conhecimento, mas surgem, naturalmente, apenas como manifestações possíveis do impulso artístico. “Nada do humano é alheio a Matuck. Tudo conspira com tudo”, escreveu certa vez o crítico Leon Kossovitch. O resultado, diz o próprio artista, de modo descontraído, é que “tem gente que acha exótico, acha que sou louco. Mas não ligo, faço o que sinto”.
Águas Emendadas, que reproduz o caderno de viagem feito por Matuck em 2010 em uma estação ecológica no Distrito Federal, é um desses trabalhos que não se encaixa em classificações. Com delicadas aquarelas, permeadas por desenhos e escritos, o trabalho mostra a complexidade da pesquisa do artista. O que pode parecer à primeira vista um relato de viagem mais descritivo e ilustrativo – “as editoras sempre procuram classificar os livros” – se revela, na verdade, um testemunho artístico mais amplo ou uma “literatura de viagem”, nas palavras do próprio autor. “Acho que o caderno é um espelhamento da alma da gente, que é bem maior que a gente.”
Além disso, apesar de lançado por uma editora infanto-juvenil, como muitas obras do autor, o livro não tem um público-alvo específico. “Quando a arte vai para um livro infantil, as pessoas mudam o olhar, acham que não é sério. O livro não é feito para criança, é feito para a humanidade.” Mas ele não nega a alegria que tem de ver seus trabalhos distribuídos em escolas públicas do País – “é a parte melhor” –, algo que acontece há muitos anos e já permitiu altas tiragens para algumas das obras.
Matuck é um artista fascinado pela fauna e flora brasileiras. A viagem para Águas Emendadas (a 40 km de Brasília) é uma das várias que ele chama de “viagens do buriti” – feitas em diferentes Estados que abrigam esse tipo de palmeira. Talvez a mais importante delas, ressalta, já que as águas que ali brotam não só alimentam o bioma do cerrado e suas veredas como também desembocam, por diversos caminhos, em uma dezena de Estados brasileiros e até em países vizinhos.
Mas a ligação com a natureza, para Matuck, não surge com base na clássica oposição natureza/cultura, e aí está outro ponto em que o artista recusa distinções e fronteiras. Sua pesquisa é também sobre o ser humano, e isso é notável no caso dos trabalhos com o buriti: “Existe telhado de buriti, brinquedos, comidas e vinhos de buriti. Em certos locais, o cara, quando casa, recebe uma vereda de presente, e vai viver lá”, explica. “O buriti, ao ser a base material de um lugar, vira também a base mítica. Ele é um centro de vida, por causa da água. A vereda, por exemplo, tem função muito espiritual”. E Matuck conclui: “Os países têm árvores mães. E eu acho que o buriti é a árvore mãe do Brasil”.
Águas Emendadas, Rubens Matuck. Editora Biruta. 48 páginas.
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