Alexandre da Cunha gosta de comparar seu processo criativo com uma faxina. “Meu ateliê parece um gabinete de curiosidades do século XVI, de tantas coisas acumuladas. Na hora de criar, faço uma limpeza, vou tirando a bagunça, limpando tudo e, assim, a obra vai aparecendo”. No final do processo, surgem esculturas criadas a partir de utensílios comuns. Em sua nova exposição, Boom, em cartaz no espaço Pivô, é possível encontrar esfregões, bancos, roupas e materiais de construção.
A mostra reúne obras inéditas feitas especialmente para a instituição, localizada no icônico edifício Copan. No centro do espaço expositivo, chama atenção um objeto de grande escala: uma betoneira, recipiente giratório que acondiciona cimento e é transportado em caminhões. O item, que pesa mais de uma tonelada, foi dividido em quatro partes que se espalham pelo espaço expositivo.
Em entrevista à ARTE!Brasileiros, Cunha comenta a obra. “Pode não parecer, mas a betoneira está sempre no nosso campo de visão. Se dermos uma volta pelo quarteirão, veremos pelo menos três caminhões com elas. Mas, ao cortar o objeto em quatro partes, eu tenho um olhar quase científico, ressaltando as suas formas e o seu interior. Atuo como um estudioso que abre o corpo de um animal para dissecá-lo”, afirma.
Outra produção que chama atenção é Kentucky. Trata-se de uma escultura feita com cerca de 300 esfregões unidos por nós, formando uma estrutura de 4,5 metros. “Os objetos populares, que estão dentro das casas das pessoas, são uma grande fonte de inspiração para mim. Quais são as narrativas que eles trazem? O que eles nos dizem sobre o universo dos trabalhadores manuais?”, pontua.
Já no par de esculturas Couple IV e V, o artista carioca utiliza bancos pré-fabricados. Os mobiliários são colocados em posições pouco usuais, o que lhes confere movimento. “Há uma referência à escultura figurativa: os bancos parecem casais juntos, numa espécie de dança”.
De grandes proporções, os trabalhos dialogam com a arquitetura monumental do Copan. O artista enfatiza que é difícil “não se contaminar” pela construção projetada por Oscar Niemeyer. “As obras falam por si só, mas obviamente há uma conversa com as curvas e estruturas do prédio”. A diretora artística da Pivô, Fernanda Brenner, também ressalta essa influência: “Os trabalhos em exposição ecoam a aridez das áreas comuns do edifício moderno de uso misto, onde o privado encontra o público”.
Em seu processo criativo, Cunha confere uma imagem mais sofisticada aos utensílios: “É uma espécie de transformação mágica de um item simples que se converte em algo mais bonito e sedutor”, afirma o carioca, confirmando a influência direta dos ready-made de Marcel Duchamp (1887-1968). “Há uma referência clara, principalmente nesse percurso de tirar os objetos do espaço comum e inseri-los no circuito da arte. Porém, diferentemente de Duchamp, também falo do mundo exterior. Quando uso um banco, por exemplo, quero que as pessoas vejam que eles são curtos, o que impede que os moradores de rua durmam ali”, afirma.
Para o artista, o que une as suas obras é o ato de colecionar. Supermercados, lojas de R$ 1,99 e até mesmo sua própria residência são locais em que ele garimpa inspirações. A fábrica, em especial, é um dos seus destinos favoritos: “Ao usar esses objetos industriais, eu proponho uma aproximação entre o trabalho manual do operário e o do escultor. No fundo, é como se eu dissesse que, pra mim, arte e construção civil são apenas duas atividades, sem hierarquia”.
Serviço – Boom
Até 10/6
Pivô Arte e Pesquisa
Av. Ipiranga, 200, República, São Paulo, SP
Terça-feira a sexta-feira, das 13h às 19h; sábados, das 13h às 19h
Entrada gratuita
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