Parece que tudo o que se teria de falar sobre Mônica Nador e sua obra já foi falado. Mas, descobri algo mais no vernissage do projeto coletivo Padrões da Vila, orquestrado por ela e um grupo de pessoas que reviraram a Vila Itororó, no bairro da Bela Vista, em São Paulo. Juntos eles selecionaram algumas relíquias de uma São Paulo antiga, como azulejos hidráulicos, leões de pedra, pedaços de janelas, maçanetas, além de fragmentos de grafites contemporâneos grudados nas paredes do deteriorado palacete idealizado pelo imigrante português Francisco de Castro, nas primeiras décadas do século XX. Ao longo de sua história a Vila foi testemunha de uma São Paulo em incessante transformação. Tudo inspirou os estênceis cujos desenhos foram impressos sobre tecidos e fazem um giro subjetivo sobre dados sociológicos do local, como toda sua obra, sempre em sintonia com os arredores.
Expostas no galpão vizinho à Vila Itororó e que faz parte do complexo, bandeiras com leões, que lembram os de Veneza impressos sobre panos de algodão, estandardizam a imponência da decadente velha mansão. Na parede, metros de tecidos estampados exibem uma série de camadas com estratégias pictóricas que vão de um figurativo ingênuo a um abstracionismo geométrico mais apurado e outras que usam as cores puras com efeitos óticos. São obras para vestir ou decorar e que Ritinha Mourão, que pilota o Bretagne no bairro de Higienópolis, local de compra, aquisição e exposição de obras de arte de deslocados, vendia no domingo festivo para Mônica. No mesmo espaço, uma festa caipira, misturava suas cores com os trabalhos da artista.
Distante do mundo dos negócios, Mônica sabe que sozinha representa uma fatia da renovação da arte pública/sociológica brasileira. Todo seu trabalho é coerente com a sua despojada personalidade e seu modo simples de viver a vida na periferia de São Paulo onde criou o Jardim Miriam Arte Clube, o Jamac, oficina coletiva de arte que envolve os moradores do bairro. O local foi visitado recentemente pelo crítico de arte norte-americano Douglas Crimp, onde ministrou palestra.
Nada em sua personalidade traz um único traço de uma Faapeana (estudante de arte da Fundação Armando Álvarez Penteado) convencional. Hippie tardia? Pode ser. Ela foi convidada para este desafio por Benjamin Seroussi, curador do projeto que integra o programa de restauro da Vila Itororó pela Prefeitura e que vai resultar em um centro cultural previsto para 2019, por todo seu envolvimento com a população.
Conca, como é chamada pelos amigos, reivindica a brasilidade por meio dessa arte serialista, alegre, farta, feita por ela e por pessoas anônimas, humildes, que se juntam para celebrar a vida cotidiana em bairros esquecidos ou em locais onde o corpo e a alma de Mônica se sintam em casa. Foi assim, na Vila Itororó. Mais do que um simples motivo pictural, a brasilidade proposta por ela é um potente vetor de criatividade. Sua mitologia coletiva é forte e focada na história da comunidade que desenvolve um trabalho in progress.
A artista vivia anteriormente na Vila Madalena onde tinha ateliê e galeria. Hoje, mora no Jardim Miriam, faz parte do elenco da galeria Luciana Brito e tem colecionadores entre seus compradores e fãs. No entanto, ela pode ser considerada outsider no glamour das artes. Com uma sinceridade desconcertante, Mônica Nador coloca em cena uma devoção laica à classe mais pobre e a seu potencial artístico.
Em tempo: no sábado (11), a partir das 14 horas, haverá nova oficina de estêncil com Mônica Nador, que contará com a participação de ex-moradores da Vila Itororó. Quintze vagas foram disponibilizadas e as inscrições serão feitas diretamente no local, na hora da aula.
Leia mais:
Deixe um comentário