Apesar de vivermos em um país ainda cheio de desigualdades e injustiças sociais, a arte brasileira, de modo geral, não é política, nem reflete as questões e conflitos da sociedade – diferentemente da produção de países vizinhos como Peru, Colômbia e México. Quem afirma isso é o curador Moacir dos Anjos, uma voz que, neste sentido, vai contra a corrente no cenário artístico nacional. E isso fica claro, mais uma vez, na exposição Cães sem Plumas (prólogo), primeiro resultado de um grande projeto de pesquisa coordenado por Moacir na Fundação Joaquim Nabuco (Recife, PE).
A mostra, em cartaz na Galeria Nara Roesler, em São Paulo, reúne obras de 15 artistas que, de diferentes modos, tratam de questões relativas à pobreza, marginalidade e exclusão no Brasil. Entre eles estão desde veteranos como Claudia Andujar, Antonio Dias, Paulo Brusky e Cildo Meireles, até artistas mais jovens como Paulo Nazareth, João Castilho e Thiago Martins de Melo. Completam o time Berna Reale, Marcos Chaves, Armando Queiroz, José Rufino, Virginia de Medeiros, Paula Trope, Regina Parra e Rosângela Rennó. Há obras antigas e recentes, inclusive séries criadas especialmente para a exposição.
Os cães sem plumas – nome tirado de poesia de João Cabral de Melo Neto – são, segundo Moacir, “os vários despossuídos do País, que não têm nada e que deles é tirado tudo”. Estão nos mais variados lugares e situações: “Nos últimos anos tivemos uma melhoria de vários índices socioeconômicos no Brasil. A despeito disso, você tem comunidades que simplesmente não fazem parte desse projeto, como os índios por exemplo. Há também grupos excluídos por simples descaso, ou por falta de força política para fazerem valer seus direitos: presidiários, moradores de rua, viciados que estão largados etc.. Ou ainda os que sofrem violência simplesmente por serem pobres – como um Amarildo –, ou sofrem descriminação por serem negros, homossexuais, imigrantes”.
A ideia, portanto, é criar tensão, e não apaziguar, assumindo o paradoxo que é falar sobre estes “cães sem plumas” dentro de uma galeria – espaço representativo do modelo vigente no País, segundo Moacir. Afinal, não há espaço neutro, e a arte nunca perderá seu poder de partilhar, de modo específico, imagens na sociedade, seja onde for. O interessante, portanto, é criar atrito e desconforto ali mesmo, dentro da galeria: “Então a ideia foi convocar artistas e obras que não simplesmente nos anunciassem injustiças, mas nos inquietassem, pela própria presença simbólica da obra, por sua formalização”.
Após a primeira mostra do projeto Cães sem Plumas, em cartaz até o dia 9 de novembro, o curador pretende dar continuidade à pesquisa e organizar ao menos mais uma exposição. Perguntado se a arte deveria sempre assumir um tom político, Moacir conclui: “Eu responderia citando o filósofo italiano Giorgio Agamben, que diz que ser contemporâneo não é aderir ao seu tempo de uma forma celebratória. É olhar o seu tempo pelo avesso, olhar o escuro de seu tempo. Nesse sentido, acho que uma arte verdadeiramente contemporânea necessariamente é uma arte engajada com seu tempo do ponto de vista crítico. Ela tem que falar, também, do escuro do seu tempo”.
Serviço
Galeria Nara Roesler (Av. Europa, 655 – São Paulo)
Seg. a sex. das 10h às 19h; sáb. das 11h às 15h.
Até 9/11
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