Associado constantemente à degradação, ao trânsito, à poluição, ao barulho e – na dimensão política – ao período da ditadura militar, o Minhocão é um dos símbolos máximos da falta de conforto urbano de São Paulo e de uma cidade pensada mais para carros do que para pessoas. Não à toa, o debate em torno de sua demolição ou transformação em parque ganha cada vez mais força nos últimos anos. Enquanto nenhuma destas ideias sai do papel, no entanto, algumas transformações e melhorias não deixam de ser notadas no Minhocão: o fechamento do local para os carros nos finais de semana, tornando suas pistas um espaço de lazer; em um plano mais simbólico, a mudança do nome de Elevado Costa e Silva (homenagem ao militar que presidiu o País durante a ditadura) para Elevado Presidente João Goulart (presidente deposto por esta mesma ditadura); e, por fim, através dos chamados jardins verticais (implantados em muros de prédios), uma transformação paisagística e ambiental que, se continuada, pode mudar radicalmente a cara do polêmico elevado paulistano.
Idealizado pelo Movimento 90o, o chamado Corredor Verde do Minhocão é o projeto por trás desta última mudança. Com seis jardins verticais já implantados e mais quatro planejados para os próximos meses, o projeto partiu da constatação de que existem cerca de 140 empenas cegas (paredes de prédios sem janelas) ao longo do elevado. “Em 2013, fizemos um mapeamento da cidade de São Paulo e vimos que a maioria das empenas cegas da cidade estavam nas vias arteriais do centro expandido. Mapeamos cerca de 500. E isso nos indicou a criação do conceito de corredores verdes: corredor da Augusta, da Consolação etc.”, conta o paisagista Guil Blanche, 26, diretor do Movimento 90o. “Mas escolhemos começar com o projeto piloto do Minhocão, não só porque ele estava em pauta naquele momento, mas porque ali as condições de conforto ambiental são as piores de todas. Tem um estudo do médico Paulo Saldiva que mostra que com os níveis assustadores de barulho e poluição que existem ali, uma pessoa que mora no Minhocão vive cerca de 15 anos a menos que o normal”, completa Blanche.
Com o projeto do corredor idealizado, em 2013, surgiu a questão de como tirá-lo do papel, dados os custos de implementação e manutenção envolvidos. Um primeiro jardim, financiado pela Vodka Absolut no final daquele ano, deu visibilidade ao Movimento 90o, assim como um manifesto publicado por Blanche propondo a construção de jardins (ou parques) verticais como uma eficiente solução urbanística para a falta de áreas verdes na cidade de São Paulo. Com uma grande matéria publicada no jornal Estado de S.Paulo em novembro de 2014, o projeto chegou ao prefeito Fernando Haddad. “Ele leu a reportagem e me ligou falando que queria fazer isso acontecer. Então nós começamos a conversar com a Prefeitura para ver como eles poderiam ajudar o corredor a tornar-se uma realidade e percebemos que os jardins verticais poderiam se tornar uma ferramenta de compensação ambiental (mecanismo que visa contrabalançar os impactos ambientais causados na implantação de um empreendimento)”. Após uma série de estudos e conversas, o prefeito assinou em 2015 um decreto incluindo jardins verticais e tetos verdes como possíveis compensações ambientais para as empresas e construtoras na cidade de São Paulo. Na mesma época, a prefeitura limitou, por um ano, essas compensações à área do Minhocão, para que o primeiro corredor verde do mundo pudesse sair do papel.
Melhorias ambientais
O conceito de jardim vertical foi criado pelo francês Patrick Blanc no início dos anos 1990, quando o botânico conseguiu consolidar uma técnica eficiente e segura para a sobrevivência das plantas em paredes. O método se mostrou bastante adequado ao meio urbano, onde usualmente faltam espaços para novos parques e praças e sobram muros e paredes. “Quando você é um paisagista, você investiga a natureza e tenta reproduzir o que vê nos seus jardins. E o que o Patrick fez foi conseguir mimetizar o que acontece em superfícies verticais de pedras e troncos para as paredes”, explica Blanche. “Assim, na cidade contemporânea o jardim vertical surge como uma solução arquitetônica.” Do mesmo modo que áreas verdes horizontais no meio de uma cidade, o jardim vertical provou ser eficiente no controle de alguns dos mais graves problemas ambientais urbanos, como aquecimento, umidade, barulho e poluição do ar. O procedimento criado por Blanc também provou, ao longo dos anos, não trazer riscos de infiltração, problemas higiênicos, nem grandes demandas de manutenção para além de um sistema eficiente de irrigação.
“Foi impressionante o impacto que alguns jardins tiveram no Minhocão, principalmente em relação ao calor”, conta Blanche, que entrou em contato com a técnica em 2008, quando ainda frequentava a faculdade de arquitetura. “Tem um prédio que tinha problemas de calor e que diminuiu em oito graus a sua temperatura média. A redução de poluição também é notável. As pesquisas que temos mostram que você consegue reduzir em 30% os gases poluentes no entorno do jardim. Ele vira um pulmãozinho da cidade, e se você somar vários, pode criar um grande pulmão.” Para a implementação e manutenção do sistema, o Movimento 90o se preocupou em baratear o método criado pelo botânico francês, inclusive para tornar o jardim vertical um negócio de interesse publico (não só jardins para interiores de casas e escritórios). Com o uso de chapas ecológicas desenvolvidas pela Tetra Pak, um tipo de feltro especial, os tubos de irrigação e um computador que controla o funcionamento do jardim, o movimento criou um sistema com monitoramento remoto e custo de manutenção bastante abaixo do que se pratica em outros jardins pelo mundo. A água da irrigação, captada da chuva, também é reaproveitada no sistema.
Arte e cultura
“É um projeto de paisagem no sentido amplo, e isso significa estar relacionado à cultura, à economia e à questão do ambiente”, diz Blanche, ressaltando que além do impacto ambiental, o jardim vertical é um negócio de impacto visual marcante, especialmente nos exemplares de grande escala. Para o Corredor Verde do Minhocão, o Movimento 90o convidou um artista para pensar no projeto de cada parque. Matthew Wood, Daniel Steegman Mangrané, Renata De Bonis, Pedro Wirz, Christopher Page e o próprio Blanche são os autores dos projetos já realizados. O jardim pensado pelo pintor Paulo Monteiro, já em fase de construção, será o segundo maior do mundo, atrás apenas do One Central Park em Sidney, na Austrália. Erika Verzutti também assinará um dos projetos. “Do ponto de vista cultural, está se democratizando algo a que muito pouca gente tem acesso, que é a arte contemporânea. Trazemos artistas que expõem para poucos e colocamos na paisagem da cidade para muitos. Então existe uma questão de educação cultural importante”, diz Blanche.
Para pensar o aspecto visual, os artistas podem trabalhar com uma pluralidade de espécies de plantas que se adequam à condição vertical e que não necessitam de raízes profundas. “A gente se preocupa também com a mínima manutenção, e fazemos isso observando a natureza. Quer dizer, pesquisamos quais as plantas nativas, o bioma original, porque elas são as que melhor se adequam aqui”, diz Blanche. O paisagista conta que o Movimento 90o trabalha com uma “paleta vegetal” de cerca de 200 espécies, com diversas texturas, tamanhos e cores, o que traz infinitas possibilidades aos artistas. No Minhocão, há tanto um jardim com cerca de 30 espécies como outro com apenas três. Quem passear a pé pelo elevado durante um fim de semana, ou mesmo quem passar de carro em um dia qualquer, certamente vai notar os impactantes jardins que começam a mudar a paisagem do local. Considerando que são 140 empenas cegas ao longo da via, é possível pensar que que muitos outros jardins serão construídos e transformarão a cara da região com seu Corredor Verde. Os primeiros passos já estão dados.
*Saiba mais sobre o Movimento 90o em movimento90.com/
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