Vem de uma instituição privada a comemoração dos 200 anos da chegada ao Rio de Janeiro da Missão Artística Francesa, a Pinakotheke, de Max Perlingeiro com curadoria dele próprio e Maria Eduarda Marques. A Missão Artística Francesa no Brasil e Seus Discípulos é uma exposição de certa forma modesta, com 43 obras, que não entra na polêmica de qual seria de fato o motivo da chegada do grupo estrangeiro liderado por Joachim Lebreton (1760-1819), destituído do Institut de France, acompanhado do pintor histórico Jean-Baptiste Debret (1768-1848), do paisagista Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) e seu irmão, o escultor Auguste-Marie Taunay (1768-1824), o arquiteto Grandjean de Montigny (1776-1850) e o gravador de medalhas Charles-Simon Pradier (1783-1847).
A versão oficial é que o grupo teria vindo por convite de D. João para a criação da Academia de Belas Artes, mas essa ideia tem sido contestada há muito tempo, a começar pela tese para um concurso, nunca apresentada, de Mário Pedrosa, Da Missão Francesa – Seus Obstáculos Políticos, de 1955, até o livro de Lilia Schwarcz, O Sol do Brasil. Em resumo, ambos defendem que o grupo francês, então sintonizado com a estética neoclássica e próximo de Napoleão Bonaparte, decide vir ao Brasil para fugir da volta dos Bourbon ao poder.
Esse vínculo é explicitado na mostra com um desenho de bico de pena, realizado por Debret, certamente um estudo, intitulado La Haranque de L’Emperour Napoleon aux Bavorois, e dedicado ao médico francês radicado no Brasil Dr. Sigaud, que também veio ao País para escapar da perseguição aos partidários de Napoleão.
Debret ainda é destaque na mostra por suas aquarelas que retratam índios e escravos nas ruas do Rio de Janeiro, já apontando as diferenças sociais que marcariam o Brasil por décadas.
Não pertence a nenhum dos artistas da expedição, contudo, a peça central da mostra, a pintura Hymeneus Travestido Assistindo a Uma Dança em Homenagem a Príapo (c. 1634-1638), de Nicolas Poussin (1594-1665), o “primeiro intérprete da cultura neoclássica moderna”, como aponta Marques no catálogo da exposição.
“Essa pintura nunca fui exibida no Rio de Janeiro e, desde que começamos a pensar nessa mostra, a presença de um Poussin era incontornável”, afirma Perlingeiro. A obra pertence ao Museu de Arte de São Paulo (Masp) e foi restaurada em 2009, por conta do ano da França no Brasil. No País, não é conhecido outro trabalho do artista, segundo os curadores.
Segundo Maria Eduarda Marques, toda a prática acadêmica da pintura clássica que vai se instaurar no Brasil tem influência de Poussin, já que seu estilo “passou a ser adotado pelas academias de arte desde o final do século XVIII”.
Assim, a mostra apresenta não só pinturas que retratam essa influência no grupo que aportou aqui há 200 anos, como em duas pinturas de Nicolas-Antoine Taunay, mas também em discípulos deles, especialmente Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879). Ele participa da exposição com seis trabalhos, um deles um retrato de Debret, de 1818, que foi seu professor na Academia Imperial de Belas Artes, e com quem viajou à França, quando do retorno do mestre ao Velho Continente. Porto-Alegre, em geral conhecido como pintor de paisagens, é considerado o primeiro crítico e historiador de arte no Brasil e chegou a dirigir a Academia de Belas Artes, entre 1854 e 1857.
Por meio de correlações desse tipo, a mostra, mesmo que discreta, ganha em intensidade, mas, para um evento tão marcante, é pouco. Cadê o Museu de Belas Artes nesse debate?
Serviço – A Missão Artística Francesa e Seus Discípulos
Até 26 de novembro
Pinakotheke Cultural
São Clemente, 300, Rio de Janeiro, RJ
21 2537 7566
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