Palestrantes debatem processos curatoriais em workshop da ARTE!Brasileiros

Da esquerda para a direita, Paulo Miyada, Júlia Rebouças e Juan José Santos. Foto: Luiza Sigulem
Da esquerda para a direita, Paulo Miyada, Júlia Rebouças e Juan José Santos. Foto: Luiza Sigulem

Aconteceu na última sexta-feira, dia 9, na Caixa Cultural São Paulo, o 1º Workshop ARTE!Brasileiros “Processos Curatoriais”, com participação dos curadores brasileiros Paulo Miyada e Júlia Rebouças e do espanhol Juan José Santos. Com a sala lotada, os palestrantes conversaram – com mediação do professor e crítico Fabio Cypriano – sobre práticas de curadoria na arte contemporânea.

A primeira a falar foi Rebouças, atualmente cocuradora da 32ª Bienal Internacional de São Paulo, que teve abertura na última semana. Ela contou sobre a jornada de quase dois anos que levou ao resultado apresentado atualmente no pavilhão no Parque Ibirapuera, na edição intitulada Incerteza Viva. O trabalho curatorial, comandado por Jochen Volz, contou com um time de mais quatro colaboradores, todos de fora de São Paulo e que vieram morar na cidade. “Isso não é regra para fazer uma curadoria, mas decidimos estar baseados aqui para entender o contexto da cidade e também o entorno imediato. Pensar na arquitetura do prédio do Niemeyer, dialogar com ela, mas principalmente pensar no parque, essencial para a cidade”.

Rebouças contou também que, a partir de grandes temas iniciais como cosmologia, ecologia, educação e história, os curadores pensaram em viagens para lugares do mundo que poderiam ajudar a aprofundar o debate. Surgiram assim os chamados “Dias de Estudo”, promovidos pela Bienal para levar artistas, intelectuais e outros envolvidos com o evento para as cidade escolhidas: Santiago (Chile), Lamas (Peru), Acra (Gana) e Cuiabá (Brasil). “Não eram os únicos lugares possíveis, mas eram representativos destes grandes temas. Foi muito importante para confrontar questões a partir do nosso corpo, das vivências. Essa pesquisa foi mais para fazer vibrar questões do que para pegar coisas e obras dos locais e levar para a exposição. A ideia era ser confrontado com a experiência de estar em um território outro que não é o seu”, explicou.

Público presente no workshop. Foto: Luiza Sigulem
Público presente no workshop. Foto: Luiza Sigulem

A curadora contou que 81 artistas ou coletivos foram escolhidos para a Bienal ao fim do processo, com foco especial em nomes jovens e trabalhos comissionados – sintonizados com o atual contexto político, social e cultural. “Para ter uma produção vibrante, para trabalhar a ideia da incerteza viva”, disse ela. Rebouças ressaltou também que pela primeira vez há mais mulheres do que homens na seleção do evento. “Não era uma obrigação, mas era um valor que trabalhamos, de ter um olhar atento para o trabalho das mulheres, historicamente menos representadas no mundo da arte.” A curadora concluiu falando sobre a busca para tratar de diversos temas, nem sempre associados diretamente à arte, como ciência, ecologia ou questões indígenas. “Tem uma série de artistas escolhidos que não se entendem apenas como artistas”, disse ela, citando, por exemplo, Frans Krajcberg.

O segundo palestrante do workshop foi Paulo Miyada, curador do Instituto Tomie Ohtake e de uma série de exposições em outras instituições. Ele iniciou sua apresentação com uma fala ampla sobre curadoria, ressaltando as diferenças entre pesquisa e curadoria (assista abaixo o vídeo).

Em seguida falou sobre duas exposições específicas com as quais trabalhou em 2016: Aprendendo com Dorival Caymmi: Civilização Praieira, no Instituto Tomie Ohtake, e Potlatch, no Sesc Belenzinho, parte do projeto ESTOU CÁ. Sobre a primeira, afirmou que foi pensada como uma possibilidade de intersecção nova, de não fazer uma mostra sobre um artista, um movimento, uma determinada época ou uma geração, mas sim de pensar conceitos a partir do cancioneiro de um grande compositor brasileiro. “A gente quis puxar outro motivo para olhar para o Caimmy, a ideia de civilização ali guardada, de civilização praiera.” A mostra multidisciplinar reuniu obras de José Pancetti, “que muitas vezes coincide com os ideias cantados pelo Caymmi”, poltronas de Sérgio Rodrigues, “que vai buscar na poltrona mole uma postura corporal brasileira, que é também cultural”, cadeiras de Flávio de Carvalho, fotos de Alice Brill, Marcel Gautherot e Pierre Verger, entre outros. “Era uma experiência sinestésica forte”, conta Miyada.

Já sobre Potlatch, Miyada contou que a ideia foi praticar uma curadoria diferente, na qual as obras foram levadas pelo público inscrito (artistas ou não) e não selecionadas pelos curadores. A hipótese, segundo Miyada, era que valeria experimentar fazer projetos de arte contemporânea que partissem do lugar e do público, valorizando mais os processos, as trocas, o diálogo e a sociabilidade do que o resultado final da mostra. O curador falou também sobre uma lógica presente em Potlatch que foge da visão capitalista e comercial usual, já que o artista oferece algo para o mundo que não lhe é pedido, pensando não no valor financeiro do trabalho mas no que acredita ser o seu melhor. “É uma lógica que talvez já esteja mesmo presente no contexto da arte, como diz o Baitaille”, afirmou.

O curador José Juan Santos. Foto: Luiza Sigulem
O pesquisador e curador José Juan Santos. Foto: Luiza Sigulem

O último palestrante a falar foi o pesquisador e curador independente Juan José Santos, que traçou um grande panorama das exposições históricas sobre arte latino-americana realizadas nas últimas décadas. Santos discorreu sobre sua pesquisa na qual analisou 30 mostras que começaram a combater uma visão hegemônica e exótica sobre a arte latino-americana. “Exposições que revelaram novos curadores e artistas, seja em grandes mostras internacionais ou pequenas mostras nacionais. Uma tentativa de vários curadores de rever a historia da arte”, disse ele, citando nomes como Gerardo Mosquera, Ivo Mesquita e Paulo Herkenhoff, entre outros.

O pesquisador citou uma série de mostras que, a partir dos anos 1980, tiveram uma postura de confrontação da visão predominante sobre a América Latina. “Até um certo ponto havia uma mirada exotizante, sobre o indígena, os povos daqui… Mas acho que especialmente a partir da Bienal de Havana de 1986 isso começa a mudar. Há uma série de exposições que tentaram romper com o clichê sobre a arte latino-americana”, disse, dando uma série de exemplos: a Bienal de São Paulo de 1998, a Bienal do Mercosur, de 2007, a Trienal do Chile, de 2009, as mostras Cartografias, de 1993, Tropicália, de 2006, Desvíos a La Deriva, de 2010, entre outras.


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