A voz de um estrangeiro que chega ao Brasil é sempre muito potente. O olhar de alguém que decide morar no País é encantador. Conhecer um lugar completamente diferente do nosso, uma cultura desconhecida que, além de tudo, tem uma língua com a qual não estamos familiarizados, é surpreendente. É assim com Claudia Andujar, que nasceu na Suíça em 1931, cresceu entre a Romênia e a Hungria, nos anos 1940, fugiu do nazismo e foi morar em Nova York, onde se interessou pela pintura. Em 1955, decidiu transferir-se para o Brasil para encontrar a mãe e daí fixar residência e descobrir a fotografia. “A câmera fotográfica foi para mim uma forma de conhecer e me aproximar das pessoas no Brasil”, conta ela, em entrevista por telefone. “Eu não falava português, e a fotografia me ajudou muito.”
E, dessa forma, como vários estrangeiros que chegaram ao País no Pós-Guerra, ou durante o conflito, Claudia encontrou sua forma de se aproximar do lugar que escolheu para viver. Alguns enveredaram pela literatura, outros pela música, mas ela encontrou na produção da imagem a forma de não só aprender a nova língua, mas também de chegar até as pessoas. “Sempre tive grande facilidade de me sentir muito à vontade com pessoas desconhecidas. A fotografia me ajudou muito, por exemplo, a chegar às famílias brasileiras que registrei. Vivi com elas, fiquei perto e tentei transmitir o que eu sentia.”
Mas falar de Claudia Andujar é também falar de sua militância – no que esse termo tem de mais nobre – junto aos índios ianomâmis, que ela conheceu, retratou e defendeu a partir dos anos 1970. Mas, antes disso, existe um trabalho quase inédito ou desconhecido dessa fotógrafa que agora vem a público na mostra Claudia Andujar: No Lugar do Outro, que está sendo exposta no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro até o dia 15 de novembro. Um olhar de quem está habituado a acompanhar as imagens de Claudia ou do fotojornalismo brasileiro. Registros que foram realizados assim que ela chegou ao Brasil, e que são resultado de dois anos de pesquisa em seu acervo, com quase dez mil fotografias. “Para mim, rever essas fotos foi uma surpresa muito grande. Há anos venho trabalhando e revendo o meu trabalho com os ianomâmis, mas pesquisar essa parte, que estava de alguma forma esquecida, foi muito bom. Estou contente e muitas lembranças foram revividas”, diz.
A mostra é dividida em quatro núcleos. Em Famílias Brasileiras está um dos primeiros trabalhos de fôlego feitos por Claudia no Brasil. Entre 1962 e 1964, a fotógrafa registrou o cotidiano de quatro famílias de contextos muito distintos: uma baiana, dona de uma próspera fazenda de cacau; uma da classe média paulista; uma de pescadores caiçaras, isolada em uma praia de Ubatuba (SP); e uma quarta família, mineira e religiosa. A intenção era entender como viviam os brasileiros e Claudia almejava publicar o trabalho em uma revista, mas o perfil diverso do conjunto não interessou à publicação.
O segundo núcleo é formado por reportagens desenvolvidas pela fotógrafa para a revista Realidade, onde trabalhou de 1966 a 1971. Para a publicação, Claudia registrou as polêmicas operações do médico espírita Zé Arigó, em Congonhas do Campo (MG); a intensa atividade de uma parteira na pacata cidade de Bento Gonçalves (RS); a situação dos pacientes do Hospital Psiquiátrico do Juquery, em São Paulo; uma sessão de psicodrama; e o controverso “trem baiano”, que levava imigrantes desempregados em São Paulo de volta a seus Estados natais. Além de reportagens, Claudia também desenvolveu ensaios fotográficos para ilustrar matérias da revista. Fazem parte da exposição uma série sobre relacionamentos homossexuais, cujas fotos não foram publicadas pela revista, e um ensaio sobre a natureza dos pesadelos.
O terceiro núcleo é formado por três ensaios experimentais que Claudia desenvolveu em São Paulo a partir de seu interesse pela cidade e pelo corpo humano. Fazem parte desse núcleo a série sobre a Rua Direita, os nus da série A Sônia e fotos aéreas tiradas com filme infravermelho.
O quarto e último núcleo da mostra contém fotografias de natureza feitas durante as primeiras viagens à região da Amazônia, no começo dos anos 1970, especialmente ao longo do rio Jari, no Pará, e em Roraima. Claudia fotografou as cachoeiras de Santo Antônio e o lavrado roraimense com a experimentação e a sensibilidade que marcaram sua produção do período.
A ideia de revelar uma Claudia Andujar por alguns desconhecida não é nova. Em 2008, a Editora Lazuli publicou um livro dentro de sua coleção Arte de Bolso, dedicado à autora – escrito por mim – e em que ela apresentava alguns trabalhos menos conhecidos pelo público brasileiro, fotos de natureza, de sua viagem ao Peru, por exemplo. Nessa exposição, montada agora, com curadoria de Thyago Nogueira, é mostrado um período anterior ao momento de ouro do fotojornalismo brasileiro dos anos 1960, especialmente na Realidade: “Foi um período muito interessante e de grande liberdade para a gente poder trabalhar. Um período excepcional, em que fotografávamos sozinhos e cada fotógrafo podia desenvolver seu tema de pesquisa”, relembra. Na revista, profissionais do quilate de Maureen Bisilliat, Luigi Mamprin, e George Love (1937-1995), fotógrafo norte-americano que trabalhou na Life e com quem Claudia foi casada. “Conheci o George Love nos Estados Unidos e anos mais tarde nos reencontramos no Brasil e casamos. Ele tinha um olhar muito atento, buscava novas formas de se expressar. Essa forma de fotografar para mim era novidade e, sem dúvida, ele me influenciou.”
Mas Claudia Andujar é Claudia Andujar, e seu olhar é único. Ela não se define e nem gosta de ser definida como fotojornalista, mas como uma fotógrafa que se aprofunda nos temas que escolhe para registrar. Hoje, ela continua fotografando, embora muito pouco e se preocupa mais em revisitar seu arquivo, e é nisso que seu olhar está focado, mesmo porque em novembro ela vai inaugurar seu pavilhão em Inhotim, com fotos mais concentradas na natureza da Amazônia e no trabalho com os ianomâmis.
Claudia Andujar
Até 15 de novembro
Instituto Moreira Salles
Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea – Rio de Janeiro/RJ
(21) 3284-7400 – ims.com.br
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