Os trabalhos que compõem a mostra Painting, de Anselm Kiefer, em exposição na White Cube, em São Paulo, revelam a força e a delicadeza com que a pintura de alguns artistas contemporâneos se inspira no romantismo alemão. Kiefer faz parte do neoexpressionismo que se destacou nos anos 1970, com Georg Baselitz, Markus Lüpertz e A.R., entre outros. Sua obra desenvolveu uma mitologia individual para trabalhar o desejo de criar uma pintura de impacto emocional.
Nome-chave da arte internacional, Kiefer costuma mergulhar em temas tabus da história, como o período nazista e, desta vez, aborda um episódio vivido pela Alemanha no pós-guerra, o Plano Morgenthau, concebido pelos EUA para destruir os centros industriais alemães e fazer o país voltar à condição agrícola. Inspiradas, as obras apresentam uma visão cíclica do passado e do futuro, parte de um processo reflexivo que aborda o absurdo característico da política e o poder inerente da paisagem, explorando a aguda contradição entre a beleza de uma paisagem pré-industrial e rural e a destruição de um futuro econômico por ela representado.
Depois de 17 anos sem expor em São Paulo, Kiefer volta a falar da natureza, que nos últimos anos tem assumido um significado político/filosófico significativo para a arte do século XXI. Nessas últimas pinturas, ele coloca o espectador diante de cinco campos de trigo em um ambiente devastado. Palmo a palmo, o espectador é atraído a decifrar quadros em busca de significações inéditas. Cada detalhe emite uma luz própria. O artista volta à natureza com paisagens abandonadas pelo homem, marcadas por sinais de fuga da realidade. Realidade que nos leva a imagens superdimensionadas que chegam a 15 m2 e nos reduz a personagens insignificantes diante do imenso e trágico cenário. Desde que se convenceu que não existe verdade em interpretações diferentes, Kiefer constantemente questiona em suas obras o lugar que ocupa o ser humano dentro do cosmo e as inter-relações entre a história, a mitologia, a literatura, a identidade e a arquitetura alemãs. Como resultado, todos os trabalhos apresentam superfícies com camadas múltiplas, complexas, fragmentadas e densas.
Kiefer é um dos artistas alemães emblemáticos do pós-guerra que tentam reconciliar seu país com a história. Constrói seu discurso em torno dos mitos germânicos, da cultura judaica e da poesia. Influenciado por Joseph Beuys, que foi seu professor na década de 1970, Kiefer desenvolveu um estilo próprio na pintura. Introduziu uma técnica responsável pela vibração da matéria que é potencializada ao valorizar os aspectos óticos das cores, ao sublinhar os sentidos e ao transpor o real para um mundo imaginário, feito de nuances e alquimia.
As flores que brotam em meio à destruição, referência a Van Gogh, são trabalhadas com camadas espessas de pintura acrílica com metal, sal e elementos eletrolíticos, de moléculas em transformação. Com isso, as obras mudam com o tempo, dependendo das condições climáticas. Por exemplo, um elemento da tela pode mudar de lugar e espessura ou até absorver partículas do ambiente. Kiefer faz da arte um campo de experimentação permanente, tudo para caracterizar a imagem do declínio de nossa civilização. Leitor voraz de poesia desde muito jovem, costuma dizer que poemas são como boias ao mar, algo lúdico que se pode nadar entre elas. Os títulos de suas pinturas dramáticas atestam o traço de um poeta inquieto.
Paintings – White Cube
Até 20 de junho
White Cube
Rua Agostinho Rodrigues Filho, 550 – Vila Mariana – São Paulo – SP
11 4329-4474 – whitecube.com
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