Elas têm história. A casa, desde os meados do século XVII. Sandra, com suas pinturas e instalações, desde 1990. A água é a relação entre as duas. A arquitetura obedece às características das casas bandeiristas, em um esquema fechado e rígido, com a planta simples. Paredes em taipa de pilão, o que quer dizer que eram feitas de barro, fibras vegetais e outros resíduos macerados, comprimidos em estrutura de madeira. Em uma praça, entre árvores e bancos, escondida em uma avenida de trânsito pesado está a Casa do Sertanista, pertencente ao conjunto de museus da Cidade de São Paulo. Depois das obras de restauro que duraram seis anos, o espaço reabre, até julho, com a instalação Casa das Fontes, da artista paulista Sandra Cinto.
Segundo Douglas de Freitas, curador dessa exposição, a ideia é estabelecer relações entre arcaico e contemporâneo. “Sandra tinha tudo a ver com a reabertura do espaço pelo que aborda em seu trabalho: a memória que se perde, relação dos espaços público, privado e do íntimo. A sua constante reflexão sobre a água. E água é também elemento fundamental na história da arquitetura bandeirista, onde a localização das construções é sempre próxima aos rios”, conta Freitas.
Em seus desenhos, esculturas, instalações e gravuras, a ampliação em suportes combinados de maneira distinta, a obra de Sandra, nos últimos sete anos, fala sobre água, na calmaria de um horizonte marítimo ou em um mar revolto, como pode ser vista em Encontro das Águas (2012, EUA), exposto no Seattle Art Museum; After the Rain (2011, EUA), na Tanya Bonarkdar Gallery; Imitação da Água (2010), no Instituto Tomie Ohtake; e Mar que Habita em Mim me Leva para Onde eu Nunca Fui (2009, Portugal), na Galeria Carlos Carvalho Arte Contemporânea.
Um barulho constante de água pode ser ouvido de fora. O pé direito baixo daquela estrutura vazia com paredes brancas ressoa forte, é como se fosse um rio passando por lá. Sandra Cinto criou fontes, feitas com concreto fundido, que jorram água sem parar. Material que não era usado na época, o que ainda discute as transformações e transposições da cidade de São Paulo e sua história. “É a minha forma de fazer um comentário sobre o mundo em constante transformação, que em uma hora potencia o que está por vir e a esperança, na outra destaca a ruína e descontentamento”, comenta a artista.
Dessa forma, Sandra desloca o que é da esfera pública – a fonte, para o ambiente íntimo –, o quarto, causando estranheza. “A reflexão é sobre o lugar que habitamos, sua memória e como nos relacionamos com a cidade nos dias de hoje”, afirma. Com a apropriação de elementos metafóricos e nostálgicos, que já apareceram anteriormente em sua obra, Sandra remete ao tempo. São três fontes. A Fonte Cavalinho brinca com a solidão da grande cidade, e a angústia gerada pela violência e o descaso. “Ao contrário das esculturas equestres que faziam um elogio a momentos ou fatos históricos, meu cavalinho é um anti-herói”, afirma. A Fonte Vela faz uma metáfora ao desejo de luz. A água escorre por onde escorreria a parafina, em uma velocidade incontrolável, em um quase drama. A água materializa o tempo que escorre. A Fonte Braço é feita com o molde do braço da artista, em um comentário sobre a arte e a construção. É um autorretrato e um espelho, como conceitua a artista, por isso tem o tamanho de uma pessoa.
Na última sala, mais escura, a instalação Homenagem a Morandi – ateliê do Joaquim. Composta por ruínas de fontes, a artista joga com o público: seriam peças de uma fonte por vir ou uma fonte que deu errado no processo de criação? Outras pessoas que visitavam a exposição jogavam suas moedinhas na fonte maior do cavalinho choroso, ao sair da Caxingui, como também é conhecida a casa. “Há um sentimento profundo de esperança, transformação e esse desejo de mudança, nesse ato. E isso é algo que sempre me interessou como artista”, finaliza.
A Casa das Fontes
Local: Casa do Sertanista / Caxingui (Pça. Dr. Enio Barbato, s/nº)
Fone: (11) 3726-6348
Aberto de terça a domingo, das 9 às 17 horas
Visitas orientadas. Entrada franca; até 25/8
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