Uma das maiores instituições de arte da América Latina, o Museu de Arte Contemporânea da USP enfrenta um período de turbulência. Transferido, em 2012, da Cidade Universitária para a antiga sede do Detran, projetada por Oscar Niemeyer, o MAC ainda mantém mais de 50% do seu acervo na USP. O professor Carlos Roberto Ferreira Brandão acaba de assumir a direção da instituição. Biólogo de formação, Brandão foi diretor do Museu de Zoologia (MZ) e vice do Instituto de Estudos Avançados (IEA). Também foi presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) durante o ano de 2015. A ARTE!Brasileiros conversou com ele sobre a situação atual do MAC, a crise na cultura do País e a democratização dos museus. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
ARTE!Brasileiros – Quais são os principais desafios da sua gestão?
Carlos Roberto Ferreira Brandão – O MAC ainda está dividido em três sedes. Ele foi transferido parcialmente para o prédio do antigo Detran. Porém, ainda mantemos uma reserva técnica no edifício da Bienal e os laboratórios da área didática na antiga sede da Cidade Universitária. Precisamos adaptar o local para que o MAC possa vir integralmente para cá. Há, por exemplo, um problema com a temperatura que não é a ideal para acondicionar as obras. Mas, na verdade, o maior desafio é fazer com o que o MAC, que ficou bastante tempo fechado, se abra para a população e a cidade.
Como então aproximar o museu da comunidade do entorno?
São duas questões. A primeira é que nós integramos um conjunto importante de museus no Ibirapuera, do qual fazem parte o MAM, o Museu Afro e a Bienal. O intuito é estreitar a relação com os nossos vizinhos, realizando programações conjuntas. Também vamos inaugurar em setembro, em paralelo à Bienal, a maior exposição que o MAC já fez do seu acervo. Serão exibidas cerca de 170 obras, incluindo trabalhos que foram premiados nas primeiras edições da Bienal. Também abriremos uma cafeteria no mezanino e um restaurante no espaço coberto do oitavo andar, além da biblioteca que será expandida, contando com mais de 20 mil títulos de arte. O objetivo é que o museu se torne um novo ponto cultural da cidade.
A outra questão se refere ao público em geral. Desde que o museu saiu da Cidade Universitária, houve um aumento no número de visitações espontâneas. Porém, muitas pessoas ainda não se sentem à vontade para entrar na instituição. Aos finais de semana,as pessoas que vão ao parque Ibirapuera descem no ponto de ônibus, em frente ao MAC, e vêm direto olhar a obra da Nina Pandolfo (uma escultura hiperrealista de um gato de cerca de 3 metros). Mas elas permanecem contemplando através das grades, sem entrarem aqui. Nós queremos trazer esse público, fazer com que eles venham ao museu e sintam-se à vontade. Devemos, aos poucos, vencer esse sentimento do público de que “aqui não é pra mim”. Precisamos popularizar o MAC. Também gostaria de realizar exposições que sejam mais chamativas. Por exemplo, a Pinacoteca apresentou aquela mostra do Rodin que mudou a cara da instituição, passou a ser um museu popular. Hoje você vai lá no sábado, dia de entrada gratuita, e está lotado.
O senhor foi presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus). Como vê a situação atual da cultura?
A Cultura está realmente muito abalada com tudo que aconteceu, foi uma das áreas que mais sofreram com a mudança política. Eles extinguiram o Ministério da Cultura, houve uma resistência muito forte e ele voltou. Diversos servidores comissionados foram demitidos. Estamos numa fase de transição geral, que deve ser definida até o final deste mês. Como decidir qualquer coisa se daqui a 15 dias tudo pode estar diferente? Isso constrange quem está à frente dos órgãos culturais. Agora, eu continuo em contato com o Ibram e afirmo que todos os procedimentos estão ocorrendo normalmente, não há como negar. Porém, a cultura em geral vem perdendo orçamento nos últimos anos. É uma área desvalorizada, cujo protagonismo diminuiu radicalmente. Espero que isso mude nos próximos anos.
Pensando não só no MAC, mas em geral, o museu ainda é um espaço muito restrito?
Segundo o IBGE, o brasileiro médio vai ao museu uma vez a cada dois anos. Ainda é muito pouco, temos espaço para crescimento. Pensando na distribuição, 75% dos municípios não têm museus. É natural que as pessoas não estejam acostumadas com essa ferramenta cultural chamada museu. O nosso trabalho é formar o público, mostrar que os museus têm algo a dizer e isso eu te garanto, eles têm muito o que dizer.
Quando eu era garoto, o interior do Brasil ainda era muito pouco desenvolvido. E é engraçado, porque parece que os museus ainda estão nessa fase. Se você olhar a distribuição dos órgãos culturais, tudo está na faixa litorânea. Os museus ainda não se interiorizaram e espero que isso mude. Afinal, todas as partes do Brasil têm história, mesmo que ela ainda não seja preservada. Vamos torcer para que esse processo de preservação seja mais rápido do que a deterioração da nossa memória.
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