Publicações unem carreira multifacetada de Seth Siegelaub


Não é incomum
que o descontentamento com as regras do circuito da arte motive migrações para outras áreas ou mesmo o abandono à arte. Poucos realizaram essa passagem de forma mais consistente que o galerista norte-americano Seth Siegelaub (1941-2013), como atestou a mostra dedicada à sua história no museu Stedelijk, em Amsterdã: Seth Siegelaub – Beyond Conceptual Art, realizada entre dezembro do ano passado e abril deste ano. Ele foi um dos responsáveis por dar impulso a artistas conceituais como Joseph Kosuth, Carl Andre, Sol Lewitt, Robert Morris e Lawrence Weiner, entre outros, em sua galeria Seth Siegelaub Contemporary Art, em Nova York, aberta em 1964. Dois anos depois, o galerista desistia de sua função com uma justificativa muito compreensível: “Eu percebi que, como é preciso pagar o aluguel e os custos relacionados ao espaço, a gente é forçada a um ritmo totalmente artificial que não tem nada a ver com arte ou exposições. De certa maneira, a galeria é que estava me administrando”.

Siegelaub passou então a organizar mostras com seus artistas em espaços não comerciais – após transferir a representação de alguns deles para ninguém menos que Leo Castelli – baseado na ideia bastante óbvia de que “não é preciso uma galeria para  expor ideias”, assumindo aqui uma das premissas básicas da arte conceitual.

É nessa direção que ele passa a editar livros, uma forma alternativa de apresentar arte. Contudo, suas publicações não visavam ilustrar obras: elas mesmas eram a obra de arte, dando início ao que se chama hoje livro de artista. Um dos mais conhecidos é o Xerox Book, January 5 – 31, 1969, no qual artistas como Robert Barry e Douglas Huebler, além de Joseph Kosuth, Carl Andre, Sol Lewitt, Robert Morris e Lawrence Weiner, criaram obras.

“Quando a arte não depende mais de sua presença física, quando ela se torna uma abstração, então ela não é mais distorcida e alterada pela sua representação em livros e catálogos”, defendia o ex-galerista, que ainda explicava: “Ela (essa nova arte) se torna, então, informação primária, enquanto a reprodução da arte convencional em livros ou catálogos é necessariamente informação secundária”. Assim, logo no início de sua carreira ele já torna patente uma prática de questionar os modelos de exibição convencionais.

Por ocasião da exposição no Stedelijk, o Xerox Book e diversos outros livros publicados por Siegelaub foram reeditados. Além disso, houve ainda a publicação de um catálogo primoroso, que divide em dez períodos as mudanças de rota de Siegelaub. Outra delas foi em 1971, quando ele dá uma guinada política e passa, primeiro, a defender uma espécie de código de direitos dos artistas, tanto autorais quanto comerciais, para na sequência cortar os laços com a arte e se dedicar à publicação de livros com conteúdo marxista. Isso ocorre após ele se fixar em Paris, com sua mulher Rosalind Fay, em 1972.

"Xerox Book, January 5- 31" (1969), Seth Siegelaub. Foto: Divulgação
“Xerox Book, January 5- 31” (1969), Seth Siegelaub. Foto: Divulgação

Na França, entre 1973 e 1978, sua ação se concentra na pesquisa sobre informação e os meios de comunicação. Por conta disso, ele funda o Centro de Pesquisa Internacional nos Meios de Comunicação. Um de seus subprodutos é a publicação do livro Como Ler o Pato Donald: a Ideologia Imperialista nos Quadrinhos da Disney, do belga Armand Mattelart e do chileno Ariel Dorfman, publicado também no Brasil com grande sucesso e reeditado por ocasião da mostra.

Todas essas fases da carreira de Siegelaub são apresentadas no museu holandês por documentos e a reencenação de várias exposições. Uma grande parte dos documentos, aliás, foi cedida pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), que os adquiriu antes de sua morte.

Mas a fase mais surpreendente na mostra está na coleção de tecidos e tapetes, objetos que ele passa a colecionar de forma sistemática entre 1986 e 1999, chegando a criar até uma instituição para investigar a temática, o Center for Social Research on Old Textiles – CSFOT (Centro para Pesquisa Social sobre Antigos Tecidos), baseado em Amsterdã, onde se fixou com a nova mulher, Marja Bloem, então curadora do ­Stedelijk e responsável pela atual retrospectiva no museu. Um dos objetivos do CSFOT era “manter uma grande livraria de mais de 4.300 obras – crescendo na taxa de 365 títulos por ano –, que agora está em processo de ser totalmente catalogada e publicada”, explicava Siegelaub no manifesto que lançou a instituição. A publicação seria o livro Bibliographica Textilia Historiae, lançado em 1998.

Assim, mesmo atuando em distintos campos – na arte contemporânea, no marxismo ou nas artes decorativas, a publicação de livros se tornou o denominador comum na história de Siegelaub. Uma prática, sem dúvida, democrática e de valorização da informação, um exemplo a ser observado.


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