José Resende sempre foi um artista que estudou arquitetura e um arquiteto que aprendeu a fazer arte. Como arquiteto, sua formação se deu no Mackenzie e em estágio com Paulo Mendes da Rocha. Como artista, estudou na FAAP, mas o momento decisivo de sua vocação aconteceu quando conheceu Wesley Duke Lee, ainda nos anos 1960. Tudo isso foi uma maneira de participar de certa elite intelectual paulistana.
Ainda muito jovem, Resende atuou em dois acontecimentos marcantes da arte brasileira dos anos 1960 e 70: a fundação da Rex Gallery & Sons e da Escola Brasil. Na Rex, ele, Nelson Leirner, Geraldo de Barros, Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo e Frederico Nasser participaram daquilo que Hélio Oiticica definiu como “nova objetividade”: a “tendência para o objeto ao ser negado e superado o quadro de cavalete”. A ação desse grupo procurava promover a participação de artistas nas duas principais esferas de circulação da arte (o mercado e a crítica), através de ações performáticas, referências à Pop Art e ao Minimalismo. Essa versão da modernização artística questionava a política da esquerda da época. Ao mesmo tempo, dirigia críticas mordazes ao próprio circuito, escancarando a condição mercadológica de todo o objeto artístico em um sistema de arte, que a bem da verdade apenas engatinhava. No início da década de 1970, a Escola Brasil, que Resende fundou com Nasser, Fajardo e Luiz Paulo Baravelli, procurou difundir, junto à classe média, uma prática artística paralela às escolas institucionais e em meio ao fechamento político da ditadura e do auge do milagre econômico dos militares. A Escola quis ser, ao mesmo tempo, e não sem contradição, um espaço alternativo ao mercado e uma afirmação da profissionalização do artista.
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Essas questões todas foram sistematicamente elaboradas pela obra de José Resende até hoje. Seu trabalho aponta sempre para questões de estrutura, objeto, materialidade, função pública, poética e espacialidade. Os materiais utilizados são sempre reconhecíveis e próximos, e ele tira disso uma força exemplar, exasperando possibilidades expressivas, às vezes chegando a uma força poética próxima à Arte Povera.
Seu intelectualismo é notável (ele escreveu textos fundamentais na revista Malasartes, em que foi co-editor, e fez mestrado em História na USP), mas isso não sobra em seu trabalho. Orienta, mas não define. Por mais grandiosas e audazes que sejam suas esculturas e instalações, muito do gesto criativo se deixa ver, sugerindo diversas articulações, equilíbrios e desequilíbrios, tensão e movimento. Como outros grandes artistas brasileiros de sua época (especialmente Waltercio Caldas), o espaço é seu suporte principal. Por isso, a crítica Sheila Leirner tem toda razão em dizer que o trabalho de Resende não é “hermético”, pois “exterioriza facilmente o processo físico e mental de sua construção”. Tão “paulista” em sua racionalidade construtiva e em sua colocação prática no mercado ou no circuito acadêmico, Resende parece ter se dado mais a ver no Rio de Janeiro. Muitas de suas esculturas estão fincadas na cidade de maneira já orgânica, como Passante, que está no Largo da Carioca, Vênus e Tartaruga, na esquina das ruas Visconde de Itaboraí e Rosário, e ainda a instalação permanente Sem Título, no Museu do Açude.
A exposição recente no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), com curadoria do crítico Ronaldo Brito, reforça esta situação. Ali, sete obras monumentais (em escala, peso, envergadura) se colocam em convivência com o belo projeto arquitetônico do museu carioca, que por sua vez já é, ele mesmo, resultado de um diálogo com a paisagem, entre a cidade, o mar, a Marina da Glória e o Aterro do Flamengo. Todos esses “pesos” (paisagem, arquitetura, entorno) são justapostos a obras feitas em cobre, madeira, pedra, vidro, parafina, mercúrio e seda. Menos do que confrontos, o que aparece no trabalho recente de José Resende é uma reflexão sobre a escala, sobre os vazios e as presenças. Obras que convocam os olhares sem chocar o “passante” (tema forte da poética do artista). Nesta bela composição de espaços variados e aberturas diversas, todos os aspectos de sua obra reaparecem, quase como em uma antologia.
Mas não se trata de um fechamento de trajetória. A nova exposição em São Paulo, na Galeria Raquel Arnaud, que fica em cartaz até 29 de outubro, traz 24 peças novas, trabalhadas com praticamente os mesmos materiais em escala reduzida, além de desenhos em fibra e seda vermelha que conduzem a narrativa da exposição e, uma vez mais, lidam com o espaço da galeria. Em um outro projeto, ainda neste ano, o artista irá articular uma intervenção utilizando trens urbanos abandonados em São Paulo, desdobrando um notável trabalho de 2002, feito para o projeto Arte/Cidade.
Em qualquer dessas circunstâncias, no trabalho de José Resende arquiteturas, pesos, equilíbrios precários, vazios e presenças formam uma reflexão sobre o lugar da arte no Brasil, com todas as suas incongruências e dificuldades de formalização. Trata-se da afirmação de uma obra que reivindica seu espaço em meio a todas as suas contradições.
Galeria Raquel Arnaud
Rua Fidalga, 125, São Paulo
Até 29 de outubro
De segunda a sexta, das 10 às 19h; sábados, das 12 às 16h
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