Por quase duas décadas,?esculturas de pedra, tanto em terra quanto à beira d’água, têm sido o cerne do trabalho de Raquel Rabinovich, que nasceu e cresceu na Argentina e mora em Nova York desde 1967. Tempos atrás, entre 1994 e 1995, a artista começou a reconfigurar alguns dos afloramentos de pedra de sete hectares arborizados em sua propriedade em Rhinebeck, no estado de Nova York, localizada a cerca de duas horas ao norte da cidade de Nova York. Embora tenha iniciado o projeto de maneira experimental, ela logo se dedicou às esculturas ao ar livre tanto quanto havia feito com desenhos e pinturas abstratas.
Rabinovich iniciou seu projeto visitando as pedreiras locais para aprender sobre pedras, cantaria e arquitetura vernacular de pedra. Ao adquirir pedras para utilizar junto com as que já estavam ali no chão da pedreira, empregou assistentes para manuseá-las e posicioná-las próximas ou em cima das originais. Por vezes, estas foram transferidas para um novo local, entre as árvores, e inseridas no solo para dar início a uma nova escultura. Em outros casos, as pedras originais foram removidas de uma pilha já existente e inseridas em outra.
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Se observar a forma meticulosa com que as pedras foram posicionadas, a beleza delas o surpreenderá. Tem-se quase a impressão de que a natureza criou os arranjos. É inevitável compará-los aos delicados arranjos de Ana Mendieta, de musgo sobre pedras, cogumelos em troncos e flores no campo formando a silhueta de seu corpo – uma imagem dedicada a vivificar a ideia de que a natureza é viva, reprodutiva e eterna.
As esculturas baixas de Rabinovich chamam-se Pabhavikas, palavra em pali que significa “ascendendo ou emergindo de” ou “em permanente estado de emersão”, dada a forma como parecem emergir das pedras naturais da floresta. Quanto maior o trabalho da artista com as pedras, cobrindo umas, descobrindo outras, maior sua percepção de que fazem parte de sua pesquisa sobre partir da luz em direção às trevas, para poder ver a luz. Em termos de um processo tanto físico quanto conceitual, Rabinovich se mantém consciente da “presença e da ausência – do visível e do invisível”.
A confecção das esculturas de pedra foi um empreendimento particular, visível às pessoas que acompanharam sua evolução. Estas têm contribuído significativamente à percepção de arte abstrata da artista e estimulado sua investigação metafísica. As Pabhavikas chamam a atenção para o instante, o agora, quando vistas in situ. Elas mudam ao longo do dia, conforme o sol ou as nuvens lançam luz ou sombras sobre elas; mudam de acordo com os diferentes climas, quando a neve, a chuva ou o orvalho as envolve. São o receptáculo de galhos e folhas caídas, bem como das fezes de animais. Transformam-se nas casas de animais do solo, que mal afetam seus montes. O vento e a água, dentre outros elementos, alteram suas configurações. Que assim seja. Ainda que não sejam efêmeras, são impermanentes. Buda fala sobre impermanência, não reter, deixar partir. Elas desaparecerão, não importa o que façam, e isso é parte da criação. A artista adota a prática espiritual de meditação Vipassana, que influenciou sua concepção sobre si mesma, seu lugar no mundo e seu trabalho.
Em 2000, depois de Rabinovich ter criado vinte Pabhavikas, ela decidiu explorar a criação de similares instalações de pedras à margem do rio Hudson, “onde não há separação rígida entre a terra e a água”, onde as marés revelam e ocultam as esculturas de pedra duas vezes ao dia e a correnteza altera sua essência lentamente, eventualmente às reivindicando. Ampliando a relação entre as mentes meditativa, criativa e perceptiva, as instalações de esculturas de pedra às margens do rio foram feitas para ser impermanentes e, como suas contrapartes nas florestas, elas aparentam emergir do chão – por isso receberam o nome de Emergences. A instalação deu a ideia para uma série de desenhos de lama feitos a partir de sedimentos de muitos dos maiores rios do mundo. A série em andamento, em número de centenas, recebeu o nome de River Library, referência metafórica à narrativa atemporal da própria vida.
Após um ano de buscas para localizar praias em parques públicos com acesso ao rio, a artista obteve permissão para instalar Emergences no Rotary Park, em 2001; outro local, no Parque Estadual de Nyack Beach, foi concedido seis anos mais tarde. Das oito instalações de esculturas de pedra, as três primeiras pesam cerca de oito toneladas, cada, e quatro, cerca de dezoito toneladas; a mais recente, no Parque Estadual Denning’s Point, trinta toneladas. Emergences foi construída pela combinação de pedras naturais oriundas de pedreiras próximas com as pedras destes locais, adquirindo, assim, autenticidade geológica. As pedras são livremente combinadas em montes que “abraçam o solo” para enfatizar a horizontalidade da margem do rio, bem como a ampla expansão do horizonte; seu tamanho e suas cores correspondem, e eventualmente se fundem, aos afloramentos de pedra circundantes.
Cada escultura, medida em escala humana, proporcional em tamanho conforme sua configuração, varia ao longo da parte central de 69 cm de altura, de 1,80 a 3,60 m de largura e 2,70 a 7,30 m de cumprimento. A proposição artística é singela e difere da escala monumental tanto de Spiral Jetty (1970), de Robert Smithson, quanto de New York City Waterfalls (2008), de Olafur Eliasson. Elas estão mais próximas da relação de Richard Long com a terra, em que ele deixa suas pegadas no solo ou move pedras para demarcar suas caminhadas.
Após concluir cada instalação, Rabinovich afasta-se de seu trabalho, deixando-o aos elementos. O ciclo diário de seis horas das marés e a ação implacável das correntes talvez estejam conectados à própria vida, marcada pelo nascimento, crescimento e morte, em estado de mudança rítmica perpétua. Mediante o fluxo das marés, a alternância entre visibilidade (revelação) e invisibilidade (ocultação) das pedras oferece o sentido desses ritmos eternos. E como na própria vida, nunca se sabe quando o fim virá.
Ao se desapegar, a artista preserva o direito do ato criativo da vida, que é, em parte, manifestado pela continuidade das instalações de pedra no rio, por elas representarem – como o nascimento – um novo começo. Com enorme dedicação, ela acompanha Emergences ano após ano, perfeitamente ciente de que elas também envelhecem e que, por fim, é inevitável que sumam de vista, ainda que se tornem parte do rio. A relação entre as pedras e o rio também foi expressa por Pablo Neruda:
“Ali estava a pedra antes do vento,
antes do homem e antes da madrugada:
seu primeiro movimento
foi a primeira música do rio.”
(Pablo Neruda, Stones from the sky, XIX, em The Poetry of Pablo Neruda, trad. James Nolan (Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 2003), p. 810)
Este poema, que Rabinovich conhece bem, ilustra a ligação da artista com a tradição literária latino-americana, mas, em um senso mais estrito, à poética adotada por ela.
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