Ricardo van Steen expõe em São Paulo

Artista apresenta a mostra Noir na Zipper Galeria

Será aberta nesse dia 18 de maio, na capital paulistana, a exposição Noir, do artista plástico Ricardo van Steen. A mostra será realizada na galeria Zipper e reunirá dez telas, de formato idêntico (140x140cm).

Multifacetado, Van Steen utiliza várias técnicas e suportes em suas criações – instalações sonoras, fotografia, vídeo, desenho, gravura – e apresenta em Noir o resultado artístico de uma obsessão recente. No decorrer de um ano, o artista. que também é designer gráfico e cineasta (em 2006, ele dirigiu o longa-metragem Noel, o Poeta da Vila) pesquisou, diariamente na internet, imagens aéreas captadas em aviões e por satélite acima de nuvens. A subjetividade de tais imagens instigou van Steen a reconstituir algumas delas valendo-se de sua excelência na técnica da aquarela. “Quando eu uso uma imagem de satélite como ponto de partida, estou conectando extremidades do conhecimento para, quem sabe, nesse campo de força que se cria com o acúmulo dos poderes das duas formas de expressão, colocar o espectador em um lugar até aqui desconhecido”, explica ele.

Pingue-pongue cósmico      

Leia entrevista de Ricardo van Steen, realizada através de troca de e-mails entre ele, Sandra Cinto e Albano Afonso*

Num dia de abril de 2012, os artistas Sandra Cinto e Albano Afonso foram ao estúdio de Ricardo van Steen para conversar sobre o mundo além das nuvens, internet e a vertigem das alturas que remete ao romantismo – sempre guiados pelas aquarelas de Van Steen. A conversa, que continuou depois com a troca de e-mails, ficou mais ou menos assim:

Sandra Cinto e Albano Afonoso – Pensando simbolicamente o céu como algo inalcançável do nosso ponto vista da terra, manifestação direta da transcendência, da perenidade, suas aquarelas nos colocam numa posição de vermos, de estarmos acima do céu, num além-céu. Qual a sensação de voar, de estar acima das nuvens?

Ricardo van Steen – É, antes de mais nada, sair de si, é abandonar a civilização, imergir em uma nova dimensão de tempo e de espaço. Cada um desses céus foi experimentado por pessoas que cruzaram de avião os céus do planeta. No momento em que puxaram a câmera e enquadraram apenas o cenário que as maravilhava, essa exclusão de tudo, até a moldura da janela, foi a maneira que cada um deles encontrou para eliminar os resquícios da sua realidade. Do avião, aquela visão é fugaz, e não dá para pedir para o piloto esperar um pouquinho. Nas aquarelas esse prazer dura o tempo que o espectador quiser.

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S.C. e A.A. – Nas escolhas das imagens de céus capturadas na internet, a busca por uma perspectiva do além-céu surgiu desde o começo do projeto?

R.V.S. – A busca por uma perspectiva do além-céu foi o ponto de partida. Há um ano escrevo quase todos os dias no Google os termos “sobre as nuvens”, “above the clouds”, “au dessous des nouages”, “sopra le nuvole”. Fui selecionando um apanhado de registros que me trouxessem uma nova dimensão ao céu. E, graças ao talento de interpretação do Google, fui levado para imagens de satélites, que me abriram um novo horizonte de possibilidades.

S.C. e A.A. – É instigante pensar o movimento e o deslocamento de seus céus, da pessoa que faz uma viagem. Uma imagem que é capturada na altitude, postada na rede, capturada por redes, por filtros e reconstruída no campo do papel apoiado sobre a mesa. No momento que ela vai para o plano da parede emoldurado, volta a ser janela e nos coloca novamente na perspectiva imersiva de quem fez a fotografia postada que deu origem a este céu.

R.V.S. – A percepção do céu é de um horizonte infinito, quando vemos as aquarelas num primeiro momento, não temos a percepção que elas são quadradas, as imagens parecem se alongar e se estender além da forma predefinida. Todos os quadros têm a mesma dimensão e, quando colocados lado a lado, nos passam uma forte noção de movimento nos dando novamente a percepção de um horizonte infinito.

S.C. e A.A. – As palavras, plano, tempo, movimento, enquadramento nos fazem pensar em cinema.  Cada aquarela é como um plano-sequência que nos leva a uma longa viagem. As imagens também passam uma sensação de mergulho, de velocidade, que fica evidente na pintura do astronauta em voo cego.

R.V.S. – A experiência no cinema se reflete na construção de uma narrativa com vários pontos de vista, no comprometimento em transportar o espectador gradativamente para outra dimensão. Ora a visão é subjetiva e vivencial, portanto dinâmica e fugaz, ora ela enquadra o personagem voando, estabelece um momento de equilíbrio e frenagem de tempo. Há ainda momentos em, que essa visão é tão ampla, inatingível, que remete ao eterno, ao imemorial. Essa combinação de ritmos e sensações pouco a pouco envolve o espectador. O prazer não está somente em atingir as alturas. Gostoso é poder ficar flutuando ali, entre o futuro e o passado.

S.C. e A.A. – Pensando em cinema, futuro e passado, vem à mente o filme Viagem à Lua, de Georges Méliès, com todo o fascínio do homem pelo espaço, o sonho de voar, de estar nas alturas. Num primeiro momento há a impressão de estarmos vendo fotografias.  Conversando com alguns amigos que também viram suas aquarelas, eles também tiveram esta sensação. Quando olhamos de perto, vemos as marcas e movimentos do pincel. Então, notamos quão abstratas e difusas são estas imagens, características que dizem respeito às próprias nuvens em suas formas confusas e indefinidas. O fato de serem preto e branco dá um ar de nostalgia de um tempo indefinido de infinito. Dentro deste infinito há muito silêncio, mas ao mesmo tempo há uma atmosfera de ficção cientifica que nos coloca num futuro em que colonizaremos o espaço sideral e a visão de nossas janelas será a imensidão do espaço.

R.V.S. – Acho que o título Noir vem daí, além, claro, de fazer referência à cor. Curioso como o preto e branco não é uma representação de uma época em particular. Desde sempre o homem teve as duas opções de representação. Desde o desenho até gravura, e graças à sua evolução, à fotografia e ao cinema, que agora dão lugar ao digital, sempre existiu uma vontade de restringir a observação do tema pelo seu aspecto estrutural e por suas intenções, prescindindo dos efeitos inebriantes do espectro cromático. Todas as imagens originais que inspiraram essa série foram registros a cores que reduzi ao PB. Essa escolha foi a primeira forma de me apropriar das imagens. O segundo passo foi repensá-las dentro de um campo quadrado, às vezes ampliando partes, outras distorcendo a imagem até que ficasse quadrada, dando um novo sentido aos espaços. O formato quadrado me encantou pela primeira vez quando adquiri uma câmera Polaroid SX70, mídia que sempre usei pela possibilidade de novos enquadramentos e pela riqueza de cores.

S.C. e A.A. – Em sua pesquisa há passagens por diversas mídias. Para a finalização da obra você opta por uma técnica tradicional, tendo a água, elemento indissociável da nuvem, como base na construção das imagens.

R.V.S. – Aprecio muito as técnicas antigas. A da aquarela é baseada num alto volume de água misturado a uma quantidade mínima de pigmento e cola. Para obter uma tonalidade escura é necessário aplicar várias demãos e aguardar um bom tempo a secagem entre elas. É uma técnica muito antiga cujo aparecimento se supõe esteja relacionado com a invenção do papel e dos pincéis de pelo de coelho, ambos surgidos na China há mais de 2 mil anos. É um exercício de persistência e interatividade com os poderes da água e os caprichos do pincel, bem chinês. Quando eu uso uma imagem de satélite como ponto de partida, estou conectando extremidades do conhecimento, para quem sabe, nesse campo de força que se cria com o acúmulo dos poderes das duas formas de expressão, colocar o espectador em um lugar até aqui desconhecido.

S.C. e A.A. – De alguma maneira, suas pinturas nos remetem à obra de Caspar David Friedrich, O Peregrino Sobre o Mar de Névoa (1818). Você nos convida a experimentar a condição do peregrino sobre as nuvens ou, talvez, nos coloque num estado de deriva sobre as nuvens. Faz pensar no romantismo e no sublime…

R.V.S. – Me identifico muito com a crítica dos românticos ao modo excessivamente racionalista e materialista de conceber o homem e o mundo. No romantismo, a visão do inatingível trazia um ponto de vista do homem sempre no ponto mais alto que pudesse chegar, longe de tudo, mas com os pés no chão. Minha visão é a do Boeing 747, é a do satélite, o ponto de vista das máquinas, a altura é até mil vezes maiores que a dos pintores do século XIX. Hoje, para poder dar um tempo e olhar para dentro, você tem que voar muito mais alto, fugir da pressão por resultados, da insistência para que aceite mais e mais essa vida encaixotada. E ainda precisa lidar com uma força de atração incrível que te suga para dentro do mundo virtual.

*Conteúdo gentilmente cedido pela Zipper Galeria


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