A Fundação Proa, um dos templos da arte, está providencialmente situada às margens do Rio da Prata, um rio que se entronca com o mar. Foi concebida como um espaço aberto, receptivo, capaz de dar as boas vindas e, com isto, evocar o lugar onde nasceu. Um lugar que recebeu os imigrantes, um lugar de diálogo entre o exterior e o interior.
Lê-se no catálogo de Proa: “Ilusão, viagem, mudança, comércio, navegação, promesas, cores saturadas do lado daqui e de lá: verdadeiro nexo entre o mundo e o país. Um caminho (ou um caminito*, justamente) novo. La Boca sempre foi vanguarda”. *Aqui o catálogo da Fundación Proa se refere ao tradicional passeio de Buenos Aires, El Caminito, no bairro de La Boca.
[nggallery id=14954]
Proa foi construida inicialmente sobre os alicerces da antiga mercearia do italiano Don Cirilo Dallorso, oriundo de Chiavari. Dallorso, proprietário junto aos seus irmãos deste local, denominado “Don Pichinin”, gerou, no final do século XIX, um verdadeiro ponto de encontro social.
Seu prédio de vidro funciona como uma tela de retroprojeção. Segundo seus fundadores, a Proa é um “Museu transparente, interativo: dá plena visibilidade aos seus conteúdos. Memória e respeito ao passado. O multiculturalismo e a disseminação de perspectivas individuais que atravessam atualmente a experiência de milhões de cidadãos do mundo.”
A recente reforma permitiu ampliar o imóvel, criando novas salas, biblioteca, auditório para cinema, vídeo e conferências, além de uma livraria especializada e uma cafeteria no último piso.
Na programação, de altíssima qualidade, constam permanentemente: “uma exibição histórica internacional; uma de arte argentina, com sentido de recuperação; uma mostra de arte latino-americana; uma de arte jovem contemporânea internacional e, finalmente, uma de arte jovem experimental.”
A Fundação Proa conta com o apoio conceitual e o patrocínio permanente da Organização Techint.
PROA – Louise Bourgeois
O Retorno do Reprimido
Proa apresenta, até 19 de junho, Louise Bourgeois: el retorno de lo reprimido. Posteriormente a exposição viaja para o Brasil para se apresentar, a partir de sete de julho, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Nesta ocasião, sob o nome de A arte como garantia da sanidade. Os brasileiros ainda poderão apreciar a mesma exposição no MAM do Rio de Janeiro. Organizada por Proa, Instituto Tomie Ohtake e LB Studio, esta itinerância é patrocinada por TenarisConfab Brasil.
Bourgeois é uma das artistas mais reconhecidas do século XX. Nasceu em Paris em 1911 e desde 1938 morava nos EUA, onde faleceu em 2010.
Para o curador da mostra, Philip Larratt-Smith (fazendo referencia à escultura em forma de aranha que abre a mostra, conhecida como Maman, produzida pela artista na década de 1990 em homenagem a sua mãe e de cuja série um exemplar pode ser apreciado no MAM de SP), cada um dos materiais que ela usa, e a forma como aparecem, estão diretamente ligados a sua infância.
Vinda de família de tapeceiros, a agulha estaria representada nas patas pontiagudas das aranhas e traria uma enorme carga de significados, já que ela possibilita costurar, tecer, unir. Segundo o curador, “é o desejo de permanecer conectada às pessoas que eram importantes para ela.”
Outras 86 obras compõem a mostra; entre elas, Arch of Hysteria, 1993; Spider, 1997; e as instalações Red Room (Parents), 1994; e The Destruction of the Father, 1974.
Para Paulo Herkenhoff, um dos principais críticos de arte e curadores do Brasil, a obra de Louise Bourgeois “desenvolveu uma lógica das pulsões, importando vincular sua obra aos grandes temas do conhecimento ou da literatura e, não, aos sistemas da arte. Melhor falar então de um material extraído de recalques e embates da vida, como abandono e ira, desejo e agressão, comunicação e inacessibilidade do Outro. No confronto permanente entre pulsões de morte, angústia, medo e as pulsões da vida, a obra de Louise Bourgeois é uma dolorosa e triunfante afirmação da existência iluminada pela libido. Nessa obra biográfica e erotizada, transformar materiais em arte é uma conversão física, não no sentido religioso, mas como a conversão da eletricidade em força. () Digamos então que a obra de Louise Bourgeois caminhe pela territorialização de imensidões. São assim o corpo, a casa, a cidade e o desejo. Ou a geometria, a família e a insularidade. Obra antiplatônica, não se satisfaz com o mundo das ideias e conjecturas. Deseja ter um corpo.”
Num texto primoroso, Herkenhoff prossegue com sua análise: “A imensa Aranha (…) é trabalho, doação, proteção e previdência. É da potência da teia oferecer-nos acolhida ou enredar-nos como uma presa.” Texto disponível na íntegra no http://www.sampa.art.br/biografias/louisebourgeois/
A contemporaneidade da obra de Louise Bourgeois, além do aspecto formal, está dada pelas preocupações que ela expresa e a maneira como as expressa, como se pode conferir nesta bela exposição.
Deixe um comentário